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Faze o que tu queres será o todo da Lei.

Este pequeno ensaio propõe algumas reflexões no tocante da magia sexual, sendo UM ponto de vista. Esta prática não é condicionada ao ato sexual e também pode ser aplicada através de tipos ritualísticos que usam do simbolismo e projeções energéticas como é o caso da Missa Gnóstica, rito central da Ecclesia Gnostica Catholica, o braço eclesiástico da Ordo Templi Orientis. Espero que possa contribuir para aqueles que buscam Thelema, afinal, a popularmente chamada Nova Era bateu à porta e já entrou. 

Amor é a lei, amor sob vontade.

Soror Lótus.

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Muitos cientistas afirmam que o corpo da mulher evoluiu ao longo dos milhares de anos de nossa espécie para separar os mecanismos reprodutivos do orgasmo. Acreditam que nos tempos iniciais do desenvolvimento humano o orgasmo feminino era essencial para a reprodução e ainda especulam que essa separação teria sido o meio pelo qual a espécie alcançou uma forma eficaz de se manter e perpetuar.

Para o homem, ainda que fluídos liberados durante a excitação  contenham pequenas porcentagens de esperma e além de haverem ejaculações sem orgasmo e orgasmos secos, este ainda mantém maior relação com sua qualidade reprodutora. Talvez seja por isso que se tenha dado tanta atenção para o orgasmo e fluído corporal do homem quando tratamos de magia sexual, por este conter não apenas energia criativa, mas por seu produto, o sémen, trazer em si carga genética.

Mas como aludido, o clímax da mulher atua de forma emancipada. A mulher produz fluídos que são desnecessários para que haja uma concepção e o seu orgasmo é potente, podendo ser contínuo ou múltiplo. Não sabemos a razão disso. 

Contudo é extremamente limitador pensar que a magia sexual via cópula tenha seu valor e poder devido à princípios biológicos gerando possíveis competitvidades destrutivas. 

Não é incomum encontrar estudos milenares e contemporâneos sobre o assunto, principalmente ou exclusivamente escritos por homens, em explicações e análises das práticas de magia sexual entre sujeitos héteros, que deixa vaga a questão sobre como a mulher se beneficia. Ainda mais comum é encontrar certo discurso empobrecedor sobre a mulher, colocando-a como um sujeito secundário, como um veículo para a realização masculina, onde os fluídos vaginais, por exemplo, têm seu papel de oferecer ao homem certo tipo de poder.

E de fato a mulher pode oferecer enormes energias, do mesmo modo que sem Shakti os Devas Shiva, Brahma e Vishnu não poderiam atuar e que “em sua mulher chamada a Mulher Escarlate está todo poder dado.” (Liber AL vel Legis, Cap. I:15). A questão está no tom inferiorizante dado às mulheres, quase sempre de caráter simbólico, sejam nos textos ou nas falas cotidianas de alguns homens magistas ou possuidores de outros títulos.

A associação da magia sexual com determinismos biológicos, a alta valorização do órgão sexual masculino e seus fluídos e a penetração como via prevalecente para a transformação, a ascenção, a comunhão e a iniciação (seja através do agente ativo ou passivo) tem sido usados como argumentos VELADOS e explícitos para a misoginia, impedindo as mulheres de tomarem lugares de liderança ou de participarem de certas práticas ritualísticas e iniciações em muitas organizações e grupos, seja no ocidente ou oriente. 

Em resposta a esta falácia, usando do “raciocínio da reprodução”, é cabível argumentar que as mulheres NASCEM com milhares de óvulos – enormes sóis dourados – e que posteriormente, a cada menstruação, deságua-se este enorme poder. E se os fluídos vaginais liberados durante o sexo são tão importantes para o homem em suas aspirações mágicas e espirituais, o que alega-se sobre os seres que os produz? Arrisco a dizer que as mulheres magistas, yoginis, sacerdotisas, bruxas, etc. são verdadeiros bálsamos, alinhadas com os princípios do Sagrado Graal, a Taça da Redenção e em Thelema representada por nossa Senhora Babalon e Nuit.

Outro ponto significativo é a menopausa (do grego mēn: “mês” ou “luas”; e pausis: “cessação”, “pausa” ou “término” – Pausa do Ciclo Lunar ou Mensal): ainda que o sangue cesse, a capacidade orgástica permanece. A mulher continua gerando essa energia criativa. Existem milhares de relatos de mulheres de mais de 60 anos e até com 90 anos que mantém orgasmos regulamente, como é apresentado pelo projeto de pesquisa OMGYES. O possível bloqueio que algumas mulheres sofrem é fruto da cultura culpabilizadora sobre a  sexualidade feminina que resiste há séculos na psique humana. Modificações corporais causadas pela idade são um fato da experiência humana, mas não uma barreira intransponível no caso do prazer feminino. Já os homens, quando atingem a vetustez, são afetados pela disfunção erétil e, mesmo que ainda possam ser férteis, a qualidade do esperma cai significativamente.

Há na história cultural da ciência uma má interpretação sobre a mulher enquanto ser vivo complexo, e na magia sexual, uma omissão e submissão sobre sua potência e atividade que não é, de maneira alguma, a de um sujeito secundário ou passivo. E ainda assim é relevante como a ciência aos poucos vêm dando maior atenção para as características do corpo fêmea  (pesquisas avançam na fecundação entre óvulos e nos lembremos das mitocôndrias!) e, em magia sexual, Hsi Lai talvez seja um dos nomes mais expressivos por trazer à tona a ancestralidade das Tigresas Brancas.

Em um entendimento pessoal, a magia sexual se interessa pela energia gerada através da excitação capaz de desbloquear, expandir e permitir a saudável e intensa fluência através dos chakras, atuando juntamente com a capacidade dos praticantes em visualizar e conduzir essa energia para atingir a união do Ser Menor com o Ser Maior, o Eu Divino, o Sagrado Anjo Guardião, o encontro ou manifestação da Verdadeira Vontade ou qual for a intenção ou escola da(o) magista. Se interessa em prolongar esse estado e busca certa elevada qualidade do orgasmo, para que seja possível alcançar o Sagrado e o Divino: pois por este ato tocamos, em uma escala menor, Aquilo que está Acima, a energia de Deus desprovido de gênero e cultura, a forma criativa primeira e o meio pelo qual tudo existe. A magia sexual é uma reprodução infinitamente menor do princípio divino, como uma escala longínqua de um fractal.

E quanto à magia sexual para indivíduos que estão fora da heteronormatividade, no tocante das mulheres lésbicas? Simples: são energias transcendentes colocadas em movimento do mesmo modo! E se qualquer pessoa quiser argumentar que duas mulheres não atingem qualquer efeito em magia sexual, então dois homens também não atingem nada. E assim caem por terra muitos dos princípios das ordens e dos grupos formados exclusivamente por homens e que utilizam desta vertente mágica via ato sexual; ou é válido apenas para eles? Mais uma vez: trata-se da prevalência da penetração como meio transformador e de iniciação, colocando em segundo plano a multiplicidade de experiências exequíveis. Não há meios melhores ou piores, menos ou mais eficientes, há apenas o diferente.

Nos recordemos sempre: ” Ab-rogados estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou seu assento no Leste ao Equinócio dos Deuses; e que Asar esteja com Isa, que também são um. Mas eles não são de mim. Deixe Asar ser o adorador, Isa o sofredor; Hoor em seu secreto nome e esplendor é o Senhor iniciando.” (Liber AL vel Legis, Cap. I:49).

Em “A Fórmula de IAO”, Aleister Crowley sugere que no Aeon de Osíris se inicia a idade patriarcal. Uma de suas diferenças em relação ao antecedente Aeon de Isis, causando a mudança do matriarcado para o patriarcado, seria a queda da ideia da partogêneses. Mas o presente Aeon de Hórus (o Aeon da Criança Coroada e Conquistadora) está livre desses paradigmas e pode ser entendido a partir da integração dos opostos fêmea/macho, não física ou estéticamente, mas de maneira alquímica, interna:

“O masculino deveria ter se completado e se tornado andrógino; o feminino, ginândrico. Esta incomplenitude impregna a alma. Pensar ‘não sou mulher, mas homem’ ou vice-versa, é limitar-se a si mesmo, estabelecer um padrão para o movimento de alguém. É a raiz do ‘fechamento’ que culmina em tornar-se ‘Maria Inviolada’ ou ‘Irmão Negro’.”. (Aleister Crowley. Comentários sobre Liber LXV, Capitulo V, v:44).

 As polaridades e gênero podem ser transcendidos e mais: nossas culturas e valores nem sempre estão alinhados de maneira racional ou imperativa com essências divinas. Então não há provas que uma mulher seja incapaz ou esteja proibida de expressar a força masculinizada de Therion ou que um homem não possa se deleitar com a imanência de Babalon.

No ritual Rubi Estrela (Liber XXV) as polaridades estão balanceadas: Therion-Babalon | Nuit-Hadit. O ritual conduz para o esforço de realização da alquimia particular, de união e dissolução das oposições internas, então os self masculino e feminino devem ser (re)conhecidos e unidos para atingir o sublime. Nesse rito, quando se profere “O Phalle”, enganam-se aqueles que entendem como um princípio restrito ao homem ou algum tipo de falicismo: trata-se da força sexual refinada e controlada, da força potente e pungente existente em todos os seres, do astral, da esfera de Yesod… e a mulher tem força fálica! E isso não é simples inveja: vide o funcionamento do clitoris, para martelar mais uma vez nas peças biológicas ou freudianas, ainda que antiquadas. 

O sinal de NOX finaliza com a amamentação, a nutrição da luz gerada na escuridão, além da postura de Babalon / Baphomet sendo esse último representante claro do ser que atingiu a alquimia da união, como a letra Vav representa a resultante da comunhão entre o Yod e o He no Tetragrammaton, simbolizada também na esfera Tiphareth da Árvore da Vida.

Concernente às mulheres, não se trata de distanciar do phallus como se fosse algo ruim, em uma rígida associação em magia com a cultura machista e criar o gueto da yoni. Foi, e inelizmente ainda é, em vários casos, a mentalidade de muitos homens que deturpa e confunde os sentidos dos símbolos e as relações sociais e políticas de poder, mantendo uma enorme gama de características limitantes do período osiriano. Nas mulheres a força fálica está na forma de falar, de lutar, e em inúmeras outras expressões. Trata-se da força que cria e projeta algo de dentro para fora, que alcança um objetivo ou objeto que será unido e transformado, sublimado, e essa força não precisa necessariamente ser dependente do órgão sexual masculino para se manifestar. A yoni, por sua vez, representa aquilo que é capaz de conter e onde a transmutação é possível, onde algo pode vir a existência, e os homens também são capazes de atuar dessa maneira. Talvez as características biológicas possam facilitar um estado em detrimento do outro, mas não impossibilita a expressão do oposto nas essências particulares.

“A alma está além do masculino e feminino, pois está além da vida e da morte. Mesmo que o Lingam e o Yoni sejam apenas desenvolvimentos diversos de Um Órgão, também a Vida e a Morte são duas fases do Estado Único. Assim também o Absoluto e o Condicionado são apenas formas daquilo”. (Aleister Crowley. O Livro das Mentiras, Cap. 35).

Quando tratamos do phallus em magia ele não deve ser associado categoricamente ao pênis, um símbolo menor e imperfeito – assim como a vulva não deve ser um retrato fiel da yoni – mas representam um conceito, um tipo de energia criadora, um tipo de estado mental e espiritual, um tipo de energia que somos capazes de mover. Somos Deuses. “Todo homem e toda mulher é uma estrela.” (Liber AL vel Legis, Cap. I:3).

Acredito que o cerne da questão para a percepção da mulher e do feminino em meios espirituais, ocultistas, em Thelema, em grupos e ordens e na prática da magia sexual está na Grande Obra das mulheres em avaliar, propor e definir de maneira heterodoxa o que é esse feminino e o papel da mulher a partir de experiências e interpretações particulares e comungadas, sem as cargas do que até então foi imposto, sendo esse último o mais desafiador. E isso vale também para os homens que precisam rever seus papéis e o conceito de masculino no Novo Aeon. 

Todos devemos rever e reestabelecer, em conjunto e no seio das individualidades, esses valores e ideias, seja de maneira sócio-cultual, psicológica ou mágicka, para que o sexo retorne à sua dimensão sagrada e para que possamos atingir a sacro união alquímica e assim nos autointitular Thelemitas, Crianças Coroadas e Conquistadoras do Aeon de Hórus. 

“Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução tudo.” (Liber AL vel Legis, Cap. I:30).