Tempo de leitura estimado: 5 mins

Vigília Para a Festa de Vênus

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Ver nouum, uer iam canorum, uere natus orbis natus est, uere concordant amores, uere nubunt alites, et nemus comam resoluit de maritis imbribus. Cras amorum copulatrix inter umbras arborum inplicat casas uirentes de flagello myrteo: cras Dione iura dicit fulta sublimi throno.

Já canta a nova primavera, e nasce o mundo; unem-se amores, aves casam-se, e a floresta desata a cabeleira p’ra chuva esponsal. Amanhã, a Urdidora de Amores, na mata, revestirá de galhos de murta os casebres: Dione, amanhã, do trono, as leis proclamará.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Tunc cruore de superno spumeo pontus globo caeruleas inter cateruas, inter et bipedes equos fecit undantem Dionem de maritis imbribus.

Do divo sangue, o mar, numa esfera de espuma, entre as hordas azuis e os bípedes cavalos, fez Dione, a ondeante, da chuva esponsal

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Ipsa gemmis purpurantem pingit annum floridis, ipsa surgentes papillas de Fauoni spiritu urget in nodos tumentes, ipsa roris lucidi, noctis aura quem relinquit, spargit umentis aquas. En micant lacrimae trementes de caduco pondere: gutta praeceps orbe paruo sustinet casus suos. En pudorem florulentae prodiderunt purpurae: umor ille, quem serenis astra rorant noctibus, mane uirgineas papillas soluit umenti peplo. Ipsa iussit mane ut udae uirgines nubant rosae: facta Cypridis de cruore deque Amoris osculis, deque gemmis, deque flammis, deque solis purpuris. Cras ruborem, qui latebat ueste tectus ignea, unico marita uoto non pudebit soluere.

Com rebentos de flor ela adorna a estação; do sopro do Favônio faz surgirem brotos no intumescido nó; do luzidio orvalho deixado pela noite, ela esparge o relento. Lágrimas, prestes a cair, trêmulas brilham: pendente, a gota, em sua pequena esfera, hesita. Eis que um fúlgido rosa desvela o pudor: o sereno, que em noite mansa os astros vertem, abre, no alvorecer, co’ úmido manto, os brotos. Na alba, ela ordena que se case a virgem rosa, feita do cruor da Cípria,4 dos beijos do Amor, do flamejar do sol, de brilhos e de chamas. Amanhã, o rubor, oculto em ígnea veste, co’o voto, a esposa desfará sem se afligir.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Ipsa Nymphas diua luco iussit ire myrteo: it puer comes puellis: nec tamen credi potest esse amorem feriatum, si sagittas uexerit. Ite, Nymphae, posuit arma, feriatus est Amor: iussus est inermis ire, nudus ire iussus est, neu quid arcu, neu sagitta, neu quid igne laederet. Sed tamen, Nymphae, cauete, quod Cupido pulcher est: totus est in armis idem quando nudus est Amor.

Para o bosque de murta, a deusa manda as ninfas: co’as moças vai seu filho. Mas, que não se creia que ocioso esteja o Amor enquanto porta as flechas. Ide, ninfas, ocioso, o Amor depôs as armas: foi-lhe imposto seguir desnudo e desarmado, p’ra não ferir alguém com arco, flecha ou fogo. Mas, ninfas, precavei, pois o Cupido é belo: o Amor é o mesmo quando nu ou quando armado.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Conpari Venus pudore mittit ad te uirgines. Vna res est quam rogamus: cede, uirgo Delia, ut nemus sit incruentum de ferinis stragibus. Ipsa uellet te rogare, si pudicam flecteret, ipsa uellet ut uenires, si deceret uirginem. Iam tribus choros uideres feriantis noctibus congreges inter cateruas ire per saltus tuos, floreas inter coronas, myrteas inter casas. Nec Ceres, nec Bacchus absunt, nec poetarum deus. Detinenter tota nox est peruiclanda canticis: regnet in siluis Dione: tu recede, Delia.

Vênus te envia, ó Délia, as virgens como tu. Só te pedimos que te afastes, p’ra que o bosque em cruor de feras não se banhe. Se conviesse, ou se fosse possível demover u’a Virgem, a própria Vênus pediria que viesses. Coros festivos, por três noites, tu verias irem em grupos irmanados por teus campos, entre as choças de murta e as coroas de flores. Não estarão ausentes Baco, Apolo ou Ceres. Com cantos, toda a noite, em vigília se passe: reine Dione no bosque, e tu, Délia, te afasta.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Iussit Hyblaeis tribunal stare diua floribus; praeses ipsa iura dicet, adsidebunt Gratiae. Hybla, totus funde flores, quidquid annus adtulit; Hybla, florum sume uestem, quantus Aetnae campus est. Ruris hic erunt puellae uel puellae fontium, quaeque siluas, quaeque lucos, quaeque montes incolunt. Iussit omnes adsidere pueri mater alitis, iussit et nudo puellas nil Amori credere.

A deusa fez erguer u’a tribuna nas flores, na qual dirá suas leis, e a assistirão as Graças. Espalha, ó Hibla, todas flores da estação, e, como os campos do Etna, veste-te de flores. Aqui virão as filhas do campo e das fontes, e as habitantes de montanhas, lago ou bosques. A mãe do filho alado ordenou virem todas, e que jamais no Amor desnudo acreditassem.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Et recentibus uirentes ducat umbras floribus. Cras erit quom primus primus Aether copulauit nuptias, ut pater totis crearet uernis annum nubibus: 60 in sinum maritus imber fluxit almae coniugis, unde fetus mixtus omnis omnis aleret magno corpore. Ipsa uenas atque mente permeanti spiritu intus occultis gubernat procreatrix uiribus, perque coelum perque terras perque pontum subditum peruium sui tenorem seminali tramite inbuit iusstque mundum nosse nascendi uias.

Que novas flores junquem sombras verdejantes. Será amanhã o dia em que o Éter se casou. Para gerar, com nuvens vernais, o ano inteiro, o Pai derrama chuvas no seio da esposa, onde o germe, no corpo imenso, irá nutrir-se. Penetrando co’um sopro a mente e as veias, ela de dentro reina, a procriar ocultas forças, e pelas terras, céu e mares subjugados, co’o fértil caminhar, ela abre o caminho, e ordena ao mundo conhecer como se nasce.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Ipsa Troianos nepotes in Latinos transtulit: ipsa Laurentem puellam coniugem nato dedit, Moxque Marti de sacello dat pudicam uirginem: Romuleas ipsa fecit cum Sabinis nuptias unde Ramnes et Quirites proque prole posterum Romuli, patrem crearet et nepotem Caesarem;

Vênus tornou latinos os netos troianos, e co’o filho casou a filha de Laurentes. A Marte depois deu a vestal da capela: romanas núpcias co’as sabinas celebrou – nasceram ramnes e quirites; e, p’ra prole de Rômulo, criou César pai, e o sobrinho.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Rura fecundat uoluptas, rura Venerem sentiunt; ipse Amor, puer Dionae, rure natus dicitur. Hunc, ager cum parturiret, ipsa suscepit sinu: Ipsa florum delicatis educauit osculis.

Prazer fecunda o campo, e o campo sente Vênus; dizem que o próprio Amor dioneu nasceu no campo. Quando a terra o gerou, a deusa o recebeu no seio e o nutriu com os beijos das flores.

Cras amet qui numquam amauit quique amauit cras amet.

Que ame amanhã quem nunca amou, e quem já amou.

Esse iam subter genestas explicant tauri latus, quisque tutus quo tenetur coniugali foedere. Subter umbras cum maritis ecce balantum greges: et canoras non tacere diua iussit alites. Iam loquaces ore rauco stagna cygni perstrepunt: adsonat Terei puella subter umbram populi, ut putes motus amoris ore dici musico, Et neges queri sororem de marito barbaro. Illa cantat, nos tacemus. Quando uer uenit meum? Quando fiam uti chelidon, ut tacere desinam? Perdidi Musam tacendo, nec me Phoebus respicit. Sic Amyclas, cum tacerent, perdidit silentium.

Sob as giestas já os touros estendem os flancos, cada um sossegado co’o laço esponsal. Bale o rebanho, sob as sombras, com seus pares: que aves canoras não se calem manda a deusa. Loquazes cisnes roucos grasnam na lagoa, e a esposa de Tereu responde sob um choupo, p’ra que penses que canta a agitação do amor, e negues que se queixe a irmã do esposo bárbaro. Canta ela, eu calo. Virá quando a primavera? Eu cessarei de me calar, como a andorinha? Perdi, calando, a musa, e Febo nem me olha. Assim, Amiclas se calando se perdeu.

Poema retirado do Suplemento Literário de Janeiro/Fevereiro 2016 e.v Edição nº 1.364

Tradução: Márcio Meirelles Gouvêa Júnior