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Faze o que tu queres será o todo da Lei.

A Ordo Templi Orientis possui caráter esotérico e os graus iniciáticos são organizados de maneira a apresentar sob vários aspectos simbólicos a experiência e a maestria da Vida e da Existência, sejam em seus sentidos mais “comuns” e “banais” aos mais extraordinários e que habitam espaços além da razão. Em cada degrau o iniciado saboreia alguma perspectiva do Estado Único, facetas do Grande Mistério que, na maioria dos casos, é impossível de ser exposto em uma única experiência; desta forma é repartido de modo que o processo de compreensão seja homeopático, porém de resultados concretos quando aplicados corretamente e quando da abertura, disponibilidade e disciplina de quem experimenta os graus.

Não seria saudável que esta Chave, que este Mistério Maior fosse apresentado de uma única vez, pois nosso corpo físico, nossas emoções e mente e toda a nossa constituição necessita de preparo. Não é exagero quando nos deparamos com a ideia de que o experimento mágico ou iniciático se aplicado de forma errônea ou em dose cavalar seja capaz de colocar um indivíduo no limiar ou totalmente imerso na loucura.

Os graus da Ordem são apresentados no Liber CXCIV: Uma Intimação referindo-se à Constituição da Ordem. Este documento, além de tratar a função de cada grau para o bom funcionamento da Ordem explicita que os graus estão de acordo com Liber AL vel Legis: “Quem nos chama Thelemitas não cometerá erro, se ele olhar mais de perto na palavra. Pois aqui há Três Graus, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra. Faze o que tu queres será o todo da Lei”. │ Liber AL, Cap. I:40. Isto também reforça o caráter thelêmico da O.T.O. ainda que haja em sua história de fundação a herança maçônica.

Segundo Liber CXCIV a Tríade do Homem da Terra “não participa do Governo da Ordem; pois ele não é ainda chamado a dar sua vida em seu serviço; e conosco Governar é Servir e nada mais. O Homem da Terra está assim como na posição do Plebeu em Roma no tempo de Nenenius Agrippa. Mas há uma marcante diferença; acontece que cada Homem da Terra é encorajado e dele se espera que avance ao próximo estágio”.

É sobre esta Tríade que pretendo traçar algumas impressões ainda que minha experiência particular seja incipiente. Primeiro, daremos ao termo Homem o significado amplo de Ser Humano. Esta palavra e os recorrentes pronomes masculinos em vários textos thelêmicos são antiquados, nos mostrando claramente o ranço de uma cultura misógina. Contudo, faremos o esforço da contextualização histórica e cultural, pois por muito tempo a palavra Homem (com H maiúsculo) foi o termo utilizado para designar toda a espécie humana; e faremos o esforço ainda mais importante de nos colocar na perspectiva do Novo Aeon, onde as Mulheres são Estrelas, tratadas em igualdade.

Por conseguinte, quando lemos em Liber CXCIV a analogia à plebe do tempo de Agrippa, em um primeiro momento podemos deixar escapar a interpretação correta e intuir que a Tríade do Homem da Terra não tenha importância, considerando que plebe nos evoca injustiças sociais que reverberam atualmente com novas roupagens. No entanto, o que nos interessa sobre essa analogia é a fábula que Agrippa formula com o objetivo de apartar a revolta da plebe. Ele compara a sociedade romana e suas partes ao corpo humano e seus órgãos. A plebe, representada pelos órgãos se revolta contra o estômago, os patrícios. Tal atitude causa males aos órgãos e prejudica o bem maior do funcionamento do corpo como um todo. Deixando à parte as nuances injustas da sociedade romana deste período, o cerne da fábula nos remete ao entendimento da importância do trabalho coletivo onde as partes, cada qual com suas funções, precisam estar em convivência harmônica para que um propósito maior ou superior seja aplicado.

Entendida a analogia, ainda é possível indagar: se a Tríade do Homem da Terra não participa do Governo da Ordem, qual seu objetivo, função ou sua importância para a O.T.O.? O ponto mais significativo já foi elucidado no início. E então há na sequencia a risada d’O Louco, ou o pulo do gato. É explicado através dos veículos oficiais de comunicação da Ordem que toda pessoa interessada em se juntar à O.T.O. deverá ser acolhida por dois membros ativos do Grau I ou superiores. Portanto, em muitos casos, aqueles que desempenharão o papel de Madrinhas ou Padrinhos são também pessoas que vivenciam a Tríade do Homem da Terra. Padrinhos e Madrinhas de qualquer grau, em especial àqueles na Tríade do Homem da Terra, têm na ocasião da chegada de novos membros a capacidade de através de seus atos, moldar e harmonizar, em um primeiro momento, a identidade da comunidade thelêmica da O.T.O.. Portanto, o acolhimento de novos membros não é deliberado, ainda que Thelema e o Novo Aeon esteja para TODOS.

Este processo não é um simples ato de “assinar fichas de aplicação”. É esperado que o membro responsável por este acolhimento busque conhecer, de alguma forma, uma parcela significativa do caráter do novato. Ainda que o Minerval, por exemplo, seja um hóspede bem vindo, cabe a ela(e) um comportamento honroso e civilizado. Não abrimos as portas de nossas casas para estranhos, não é mesmo? Da mesma forma, não infligimos as regras da casa em que somos recebidos. Portanto a relação entre as partes envolvidas deve ser de confiança, irmandade e cabe aos membros responsáveis pelo candidato, assim como ao Corpo Administrativo, esclarecer as regras de conduta e fornecer o máximo de informações cabíveis para que não haja enganos. A O.T.O. nesse sentido é Sacra, assim como são nossos lares. Na medida em que avançamos nos graus da Ordem é como se um novo cômodo da casa fosse apresentado. Primeiro como hóspedes (Minerval) conhecemos a área reservada para visitas. Depois, cômodos mais íntimos, armários, ou novos objetos são apresentados.

Portanto é justamente esse cuidado na escolha do hóspede que se encontra a primeira fundação da identidade da O.T.O., quando as Madrinhas e os Padrinhos têm o cuidado de não se comprometerem com hóspedes nocivos, carregados de preconceitos, propensos a ideologias e ideias racistas, machistas, misóginas, homofóbicas, xenófobas, etc.. Estes não são bem vindos em nossa casa. Estes não compreenderam a Lei de Thelema e, a menos que estejam abertos e de boa vontade a reverem suas ideias preconcebidas e se transformarem, não terão o acesso aos nossos Acampamentos, Oásis e Lojas e permanecerão vagando no deserto. “Somos infinitamente tolerantes, exceto à intolerância”. │ Aleister Crowley.

A comunidade thelêmica da O.T.O. organizada sob os mistérios da Tríade de Homem da Terra é também composta exatamente por pessoas que realizam o trabalho de apresentar os fundamentos da Lei de Thelema, as regras da Ordem e com a presença carregada de Luz, Vida, Amor e Liberdade, se dispõem a forjar um ambiente saudável de crescimento e trocas de experiências. São as pessoas que fazem os sítios virtuais funcionarem, que organizam estudos e práticas, que elaboram relatórios, que preparam um jantar, que fazem compras para o Corpo Local no dia de folga do trabalho, que respondem e-mails, etc. e que se preocupam com cada detalhe que fazem da O.T.O. um organismo vivo. São as pessoas que dão sentido e significado para todo o desenvolvimento prático, objetivo e tangível da Ordem. Portanto, todos os graus da O.T.O. e todos os sujeitos que nestes graus experimentam suas benesses são honrados, são deuses, são especiais e servimos uns aos outros pois desta maneira servimos à Divindade, afinal “Todo homem e toda mulher e uma estrela”. | Liber ALvel Legis, Cap. I:3. As pessoas que se encontram na Tríade do Homem da Terra, ao serem encorajadas pela força da Egrégora da Ordem a conhecer mais fundo os Santuários da Casa, ao alçarem voos mais altos, abrem espaço para que novos iniciados assumam a oportunidade de servir no trabalho fronteiriço, nessa ponte entre a O.T.O. e o mundo.

Há uma palavra a dizer sobre a tarefa Hierofântica. Contemplai! há três ordálios em um, e pode ser dado de três maneiras. O bruto deve passar pelo fogo; que o refinado seja testado no intelecto e os sublimes escolhidos no altíssimo. Assim vós tendes estrela & estrela, sistema & sistema; que um não conheça bem o outro!

Liber AL vel Legis, Cap. I:50.

Agradeço enormemente às irmãs e irmãos que lutam, que persistem, que inspiram e cuja força de suas presenças compõe maravilhosas constelações.

Amor é a lei, amor sob vontade.

Autora: Soror Lótus.