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O processo de “criação” do mundo em Thelema (ou processo cosmogônico) pode ser abordado em termos metafísicos e simbólicos — como a relação entre os deuses que falam no Livro da Lei — , mas também pensado em termos de uma equação matemática. Os próprios deuses Thelêmicos podem ilustrar essa leitura:

Do ponto de vista da Física, a Inércia original expressa a si mesma como duas for- mas complementares de Energia — o pequeno, ativo, Elétron Negativo (Hadit) e o grande, passivo, Positivo Próton (Nuit). Quando satisfazem um ao outro, dois fenômenos ocorrem: (1) suas qualidades opostas se cancelam no Zero. (2) uma “criança” nasce da união; i.e., um fenômeno positivo é produzido, cuja natureza é inteiramente diferente daquela de seus “pais”; pois é finita e possui limitações e qualidades própriasCROWLEY, The Law is For All, p. 89

A fim de entendermos a cosmovisão de Crowley que fundamenta a teoria e prática de Magick, precisamos pensar a teoria energética formulada por ele a partir da relação entre Nuit e Hadit descrita acima, bem como a partir dos postulados–chave do Livro da Lei: “Faze o que tu queres será o todo da Lei” e “Amor é a lei, amor sob vontade”. Essas frases assumem em Magick um sentido metafísico, filosófico e operativo.

Os fenômenos descritos anteriormente como “(1) suas qualidades opostas se cancelam no Zero. (2) uma ‘criança’ nasce da união” estão representados pelas equações matemáticas simbólicas:

  • 0 = 2.
  • 1 + (–1) = 0

Isto é, a soma total das forças do universo é zero. Suas partes são oposições dinâmicas. Para Crowley, essa “fórmula” expressa aquela que seria “a única, a simples e necessária solução do Enigma do Universo”, segundo ele havendo pouco, além disso, para ser entendido sobre sua teoria de Magia (CROWLEY, Magick without tears, cap. 05). Sua teoria energética, então, é de que divisão (2 — o mundo da dualidade) e dissolução (0 — o “nada”) comporiam a dinâmica perpétua das coisas, unidas graças ao conceito de “amor” (Agape).

A questão premente nesse estudo é que as fórmulas acima encerram, em sua curta proposição, um debate filosófico entre niilismo, monismo e dualismo, estruturante de perspectivas da realidade, não só no campo religioso. As fórmulas acima também ilustram a ambição de Crowley articular essas três cosmovisões a partir de sua teoria e de seu entendimento dos conceitos Thelema e Ágape.

Crowley nos diz sobre essas visões:

[…] a última delas [dualismo] é, na superfície, a mais plausível; pois praticamente a primeira coisa que nos damos conta ao inspecionar o Universo é o que a escola Hindu chamou de “os Pares de Opostos”.CROWLEY, MWT, cap. 05

Os monistas, no entanto, são descritos por Crowley como uma escola “mais sutil e refinada”, uma vez que intentam se aproximar da “realidade última”. Diante da questão: “como as Várias coisas (das quais estamos cientes) vieram a ser?”, a resposta de que as várias coisas vêm de várias outras soa insatisfatória e, assim, o universo tende a ser explicado como um fenômeno único, que se diversifica por adaptação [CROWLEY, MWT, cap. 05]. Se a ilusão das partes é removida ou integrada, o “todo” poderia ser contemplado.

“Mas — um momento, por favor!”, sinaliza. A doutrina monista, preocupada com a realidade última das coisas e sua visão da singularidade do universo, introduz–nos a pergunta prática de como reconhecer, afinal de contas, a “realidade”. Para Crowley, essa questão só poderia ser respondida pela experiência direta: “Principalmente pela intensidade, sua persistência e pelo fato de que ninguém pode nos convencer do contrário”. Até aí, a visão monista parece satisfatória, ainda que uma forma de idealismo. Mas dois fatores incomodam Crowley. A primeira delas seria a saída filosófica para a questão do mal:

Eu não posso ver como chamar o Mal de “ilusão” nos auxilie. Quando o Cientista Cristão ouve que sua esposa foi selvagemente atacada por seu Pequinês, ele tem que sorrir e dizer: “alego aqui um erro”. Não é bom o bastante.CROWLEY, MWT, cap. 05

Isto é: a resposta do monista para o mal tende a ser uma retirada de sua substância. Por exemplo: o catolicismo assume Deus como Summun Bonum, isto é, um “Bem” substancial e um “Mal” como Privatio Boni, isto é, a ausência de Deus — um “mal” sem realidade, ilusório. Isto, para Crowley, não satisfaz o problema tangível do mal.

O segundo ponto é que a própria experiência da unidade, para doutrinas como o Hinduísmo, encontraria precedentes místicos onde “Atman (ou Brahman), esse Universo destruidor de limi- tes, é ele mesmo abolido e aniquilado”. A experiência da singularidade seria Atmadarshana e, da aniquilação, Sivadarshana (CROWLEY, MWT, cap. 05). Se a unidade for representada por um ponto, a ausência de dimensão precisa ser reconhecida como um “nada”. Crowley começa, então, a pensar na perspectiva niilista. Para ele, referir–se àquilo que não tem quantidade ou qualidade como unidade, como os monistas o fazem, é errôneo: incorre em conferir uma quantidade e qualidade. Afina–se, assim, com o pensamento taoísta, elogiando–o como iniciador da ideia do “Nada Absoluto” e sua constatação de que “é sempre possível reduzir uma expressão a Nada, tomando quaisquer dois termos equivalentes e opostos”. Da mesma forma, uma expressão poderia ser criada a partir do Nada, observando–se esta mesma lei para seus termos: sempre equivalentes e opostos. O Tei–Gi (representação do Yin Yang) seria representação dessa dinâmica de como o universo se compõe, a partir do nada, em dualidade. É assim que Crowley pretende articular nulidade e dualidade, sua interação compondo uma unidade — simbolicamente, aquela “Criança” que nasce dessa união (Hórus).

Assim como o currículo de Magick buscou aproximar Ocidente e Oriente através de métodos tanto de magia cerimonial como técnicas de Yoga, podemos perceber o investimento de Crowley em aproximar as principais apreciações filosóficas que  embasaram  as grandes religiões do mundo, de modo a, simultaneamente, sintetizá–las e atualizá–las sob a luz de Thelema. Um projeto certamente ambicioso, mas leal ao postulado de Nuit   no Livro da Lei: “Pois eu estou dividida por causa do amor, pela chance de união” (Liber AL, I:29).