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Autoria: Frater אל-אמא-יה
Foto: James Niland

Quanto a vocês, a unção que receberam dele permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas, como a unção dele recebida, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele como ele os ensinou.

1 João, 2:27

Cristo não é “Jesus”; muito menos é seu sobrenome. Trata-se apenas de um título grego para reconhecer aqueles que foram ungidos. Não por menos, a palavra Χριστός significa exatamente “Ungido”.

A Unção era um ritual por que passavam tanto os futuros reis de Israel quanto as pessoas que começariam a exercer ofícios especiais, de grande proeminência. Nesse sentido, o ato de ungir alguém por meio cerimônia solene envolvia consagrá-lo para a finalidade especialíssima a que passava a se dedicar. Assim, tratava-se, de certa forma, de um ritual de iniciação a que poucos eram submetidos.

Samuel mandou que chamasse o servo Davi e o ungiu com azeite de oliva diante de todos os presentes. De lá em diante, o Espírito de יהוה (Jeová) se apoderou de Davi, cujo destino foi o de se tornar Rei de Israel. (vide 1 Samuel, 16)

Interessantemente, após a unção de Davi, permaneceu em Saul apenas o Espírito Maldito de יהוה (parte maldita). No entanto, Davi amava muito Saul e quando lhe tocava harpa com a mão, o Espírito Maldito de יהוה deixava Saul. Ou, em outras palavras, quando fogo do amor de Davi liberava o sacramento de sua unção sobre Saul, o Espírito governava sobre a escuridão de sua matéria. Ou, ainda, Davi – que significa “amado” – conjurava o Sol mercurial que nele se encontrava para iluminar a escuridão de יהוה que habitava em Saul.

Note-se que a Unção Sacerdotal foi praticada por Moisés. Antes de adentrar a Tenda do Encontro, Arão e seus filhos tiveram de se purificar, banhando-se. Em seguida, foram dedicados mediante o uso das vestes sagradas. Por fim, foram consagrados e ungidos com óleo para que fossem sacerdotes de יהוה.

‘Traga Arão e seus filhos à entrada da Tenda do Encontro e mande-os lavar-se. Vis­ta depois Arão com as vestes sagradas, unge-o e consagre-o para que me sirva como sacerdote. Traga os filhos dele e vista-os com túnicas. Unja-os como você ungiu o pai deles, para que me sirvam como sacerdotes. A unção deles será para um sacerdócio perpétuo, geração após geração’. Moisés fez tudo conforme o Senhor lhe havia ordenado.

Exodo, 40:9-16

Cristos (Χρῑστοί) são mulheres e homens que transcenderam a consciência subjetiva, Verdadeiros Adeptos rumo à Maestria. No êxtase da verdadeira Unção, assumem o estado de superconsciência e totipotência, a consciência crística.

Por essa perspectiva, há várias passagens bíblicas que reconhecem que Cristo é um estado de espírito, uma mentalidade expandida.

Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo.

I Coríntios, 2:14-16

Nos Cartões Postais para Probacionistas, publicado no The Equinox, vol. 1, n. 2, Aleister Crowley também tratou disso: “O mundo progride em virtude do aparecimento de Cristos (gênios). Cristos (gênios) são homens com superconsciência da mais alta ordem. A superconsciência da mais alta ordem pode ser obtida através de métodos conhecidos.”

A figura do Cristo também seria um correspondente ao “messias” tão mencionado no Antigo Testamento. É importante notar que a palavra מָשִׁיחַ (“messias”)igualmente possui o significado de “ungido” e tem o valor gemátrico 358, que é exatamente o mesmo de נחש, a Serpente que se apresentou no Éden e iniciou Eva, liberando a unção de seu Desejo sobre ela. Pelo sacrifício da semente da própria Serpente (נ), houve a comunicação do Sacramento (ח) do Fogo do Espírito (ש)à Eva. Assim, mediante essa interpretação do mito bíblico tradicional, Eva teria recebido a primeira Unção e foi o ser humano que primeiramente teria recebido o título de “Cristo”, tendo atingido a superconsciência do êxtase divino – “no dia em que comerdes do fruto se abrirão os vossos olhos, e sereis como os Elohim” (Gênesis, 3:5).

Em magick, a Unção corresponde a uma das principais tarefas da Grande Obra: o Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião (SAG). À semelhança das narrativas bíblicas, o iniciado assume sua condição de Filho do Rei, a qual lhe é atestada pelo próprio SAG, cujo beijo e desejo ardente unge o Adepto, selando seu destino predestinado rumo à Coroa. Trata‑se da Unção pelo próprio Senhor do Amor e da Força, Nosso Senhor Hadit, a Serpente que se manifesta na especial iniciação da Unção. “Queimai sobre as testas deles, ó esplendorosa serpente!” (AL, I:18).

O Cristianismo está ligado ao gnosticismo e à pulsão de vida (“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” João, 14:6), e não à escolha de um cristo para tentar seguir os exatos passos, típico daqueles que são incapazes de descobrir o próprio caminho para a consciência crística.

Há crististas por todos os lados. São os que vivem a espiritualidade pelo caminho do medo, com conceitos restritivos como o de pecado, impondo a si e aos demais suas neuroses e sua pulsão de morte oriundas da fragilidade do ego, o qual teve de se valer tantas vezes de mecanismos psíquicos para se proteger.

Os crististas são também os escravos ideológicos que brotam das massas para satisfazer sua ânsia neurotizante. Assim, seguem algum tipo cristismo e buscam projetá-lo sobre os outros, seja ele o de Jesus, Siddarta Gautama, Maomé, Aleister Crowley, Arjuna, etc. [Nunca é demais mencionar: “Vós sois contra o povo, Ó meus escolhidos!” (AL, II:25)]

Sim, thelemitas somos cristãos, na medida em que, mediante a proclamação da Lei da Liberdade e do Amor, buscamos a Unção e a identificação do estado espiritual de Χριστός, para que o Fogo do Espírito habite em nós e, assim, possamos lançá-lo ao mundo até que ele arda completamente.