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Reflexões sobre Draco-Therion-Pseudoprophetes

Autoria: Frater אל-אמא-יה

Portanto ergue-te assim como eu estou erguido. Segura-te assim como eu que sou mestre em fazer. Ao final, que o fim esteja tão distante quanto as estrelas que repousam no umbigo de Nuit, mata-te a ti mesmo assim como eu sou morto ao final, na morte que é vida, na paz que é a mãe da guerra, na escuridão que detém a luz em sua mão como uma meretriz que arranca uma joia das suas narinas.

Liber A’ash, 38

Há um triplo paradoxo intrínseco ao Diabo, típico de toda a Matéria e Espírito que ele preside.

Abaixo das Supernas, Ele é o trapaceiro que a tudo causa divisão e falsidade. A todo o instante, a pretexto de levar a uma síntese, seu resultado é a divisão ínsita ao processo de análise.

Suas operações envolvem um contínuo processo de ode à pulsão de vida, o Eros primordial: criando ele divide, e dividindo, ele cria.

A síntese bem-sucedida de ovócito-espermatozoide resulta na formação de um novo ser diferente de seu pai e de sua mãe. Misturar ácido e base resulta na liberação de energia e na formação de um sal, o qual difere claramente das substâncias que lhe deram origem. E esse exercício poderia ser feito continuamente…

Não por menos, a típica figura do Diabo é associada à ideia daquele que separa, desune e afasta.

Acima do Abismo, ele envolve a obra de Verdadeira Síntese, possível apenas pela aniquilação através da Noite de PAN. Nesse sentido, ele é o próprio PAN, o êxtase da força viril (P, Marte, A Torre), que, por meio do plano manifesto (A,⛥, Louco, א), aniquila (N, נ, Morte).

Disso resulta que, para sintetizar sem redundar em eterna divisão, é necessário aniquilar. Não se trata de somar 1 e 1, mas sim de somar 1 e -1.

A pessoa Iniciada é impelida continuamente a esse instante da aniquilação. Se tu deres nada mais que um passo neste Caminho, tu deverás chegar inevitavelmente ao final deste – Liber CLVI, 19. Ela ruma primeiramente ao Adeptado, assumindo sua condição de Mulher‑Deusa ou Homem-Deus. No entanto, a Natureza incita a pessoa ao avanço e, talvez, seja mais apropriado dizer que o Abismo vem à presença daquele que o atravessa, e não o contrário. De mesma forma, a travessia somente se torna possível quando o Adepto se transforma para um ser de plena receptividade Àquele que Vai, o aniquilador de Deuses (Eu estou só: não há Deus onde Eu estou – AL, II:23), pois conhecê-lo implica Morrer (Eu sou Vida e o doador da Vida, no entanto, o conhecimento de mim é o conhecimento da morte. – AL, II:6).

Por fim, nos véus do negativo, ele é Draco, Nuit; Ele Não É, e Ele é Tudo tanto que Pode Vir a Ser quanto que Pode Não Vir a Ser.

Ele, o Diabo,precede o Supremo Silêncio – sendo, pois, Nuit (0) –e, por isso mesmo, contém a potência de todas as falas e não-falas, as possibilidades de todas as criações e não-criações. Ao sair do Silêncio, Ele se restringe durante o discurso, e sua fala gera divisão e possibilita a confusão (0=2), pois de todas as infinitas possibilidades, Ele profere uma ou algumas delas. De qualquer forma, ao sair do Silêncio, Ele pode criar e procriar.

O exercício dessa fala criadora envolve a manifestação, porque, ao dizer, Ele se manifesta (1º elemento), ainda que apenas por meio da Palavra. Ao ser dita, a Palavra se separa de quem a proferiu (2º elemento). Agora a Palavra adquire livre significado conforme o intérprete, mesmo que seja apenas a “vibração do som”. Na mais simples das hipóteses, o intérprete é ao menos o próprio falante, ele mesmo (3º elemento).

Logo, na primeira manifestação (O Ponto, Kether), surgem três elementos, o que envolve o Mistério da Santíssima Trindade (1=3), pois o Três é a revelação da Perfeita Unidade, ou, em termos de formulação thelêmica, LAShTAL[1], ou Luz-Amor-Vida.Ao transpor o clássico da teogonia thelêmica 0=2 para a fórmula LAShTAL, obtêm-se, grosso modo, LA (Nada, 0) e AL (Dois, 2), sendo ShT o operador da equivalência, o Amor, a pomba (ש) & a serpente (ט), o Espírito Santo Externo & o Espírito Santo Interno. […] o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado – Romanos 5:5.

Ao se consolidar no ato de Ser (requisito para a manifestação), Ele não é mais totipotente, mas sim pluripotente, pois o Nada foi atualizado em Um, que agora é Tudo que não seja o Nada. A totipotência tornou-se pluripotência. Não se trata mais do Silêncio,mas da Fala Não Dita, que não contempla a Não-Fala. Em termos sexuais, há agora o Espírito Santo, o semen pluripotente, a semente dos múltiplos – não de todos – porvires.

No entanto, a Palavra Não Dita somente se torna Palavra Dita quando é expressa por meio de um canal, a Laringe. O semen precisa de um phalluspara ser lançado. A Baqueta precisa ser apontada por quem tem capacidade de criar por meio d’Ela. O Espírito Santo precisa de um veículo para fluir (“céu”, ש), que se diferencia do destino ao qual ele habita (receptáculo da Palavra, ט).

Então, a Palavra, o semen, o Espírito Santo, flui. A Palavra é lançada pelo ato de abrir a Boca (פ), a qual também são os “lábios” formados pelo meato peniano (abertura da uretra), o Olho Sem Pálpebra de Deus (ע,Ayin, “olho”)e, nos mistérios menores, o deslizar da lâmina sobre o pescoço de João Batista.

A abertura da Boca – isto é, ע aberto –, a Ação que possibilita o lançar da Palavra, do Logos, do semen, do Espírito Santo, é o ápice do ato marcial de פ, o livre fluir do sangue que acompanha a dor-êxtase da morte em batalha e que consuma o Ritual. “Verdadeiro ritual é tanto ação quanto palavra; é Vontade” (Liber XXX, 13).

ף

Note que a própria letra Peh final pode ser visualizada como a cabeça (ר) que goteja sêmen.Se ergo minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se tombo minha cabeça e lanço veneno, então há êxtase da terra, e Eu e a terra somos um.

AL, II:26.

Que ele se sente e conjure; que ele mova a si mesmo junto com aquela energia; que ele se eleve seguindo à expansão e ao esforço; que ele lance para trás o capuz da sua cabeça e fixe seu olhar de basilisco sobre o sigilo do demônio. Então que ele se agite com força para lá e para cá como um sátiro em silêncio, até que a Palavra exploda da sua garganta.

Liber CCCLXX, 13.

Lançada a Palavra, ela precisa de algo que a receba. Lançado o semen, ele se apoia em um recipiente. O Espírito Santo se assenta em um habitáculo.Esse espaço que acolhe e recebe pode ser o Vazio, a Vastidão, um cálice ou qualquer outra coisa. Mas ao acolher, o receptáculo dá forma, e forma limita. Ela, a forma, é o Grande Mar (Binah), a Compreensão da Palavra, o Útero receptivo que conduz o semen ao ovócito, Neschamah que recebe os influxos de Chiah.

Em resumo, temos:

0. Matéria em Extensão. NUIT.
00.Supremo Silêncio. Espírito em Contração. HOOR-PAAR-KRAAT.
000. Totipotência. Potência de Todas as Palavras e Não-Palavras. Silêncio. Matéria. PAN.
1 – Pluripotência. Potência de Todas as Palavras. Palavra Não Dita. Ser. Sêmen retido. HADIT.Π.
2 – Multipotência. Palavra Dita. Divisão. Sêmen lançado. THERION. Α.
3 – Oligopotência. Receptáculo Universal. Forma. Manifestação.Limitação. Útero. BABALON. Ν.

A tensão gerada no Ser que retém a Palavra Não Dita (1) leva ao lançamento da Palavra pelo êxtase divino. O estado de Palavra Não Dita (1) torna-se Palavra Dita (2), e, dessa forma, há Ser e Palavra. Porém, ao manifestar a Palavra, ela é necessariamente Mal-Dita, pois sua Compreensão (3) é distorcida para além de quem a proferiu.

Como faceta de Nuit, ΠΑΝ representa a Totipotência da Noite.

Ao estender ΠΑΝ, temos Π (P, פ) como orgasmo de Deus, o Verme Cego do Lodo; A (א), ⛥, o homúnculo em manifestação; N (נ), a Morte que vem com a manifestação e torna a Palavra Mal‑Dita, o germe da decadência em êxtase.

Ao deixar sua forma totiponte e se estender, PAN é Hadit (P), em Kether; Therion (A) em Chockmah; Babalon (N), em Binah.

[P]

Então surgiu um gigante de força terrível; e afirmou o Espírito em um rito secreto.

[A]

E o Mestre do Templo, equilibrando todas as coisas, surgiu; sua estatura estava acima do Céu e abaixo da Terra e do Inferno.

[N]

Também se levantou uma alma de imundície e de fraqueza, e corrompeu todo o domínio do Tao. (Liber Trigrammaton)

De acordo com o Liber Trigrammaton, temos que PAN em extensão é um gigante terrível, Draco, a Serpente, ט, cuja Cabeça toca Nuit. Então, por um rito secreto, afirma o Espírito, ש(dente) junto ao Iniciado: ש(dente) + ט (serpente), שט. Esse Rito Secreto, ShT, refere‑se tanto à consecução da Sabedoria (Chokmah), que é a iniciação de um Magus 9°=2(vide Liber LXX), quanto à contínua administração do Sacramento pelo próprio SAG ao longo de toda a jornada iniciática, cujo efeito na alma se torna mais evidente à medida que nos aproximamos mais e mais d’Ele.

Tu [serpente, ט]cravaste as presas [ש]da Eternidade na minha alma, e o Veneno do Infinito me consumiu completamente.

LXV, III:39

É um processo ritual de dissolução na Mente Objetiva, a união entre a intangível Sarça Ardente, אהיה, e o Manifestador da Matéria,יהוה : אהיה + יהוה = אהיהוה. É justamente por meio dessa fórmula – אהיהוה – que o Iniciado progressivamente revela a face de seu Pai. Sendo um Mestre do Templo 8°=2, a entrega aos beijos de Draco o faz ascender à condição de Filho, Therion, o Herdeiro dos Poderes do “Pai/Mãe”, Draco/Nuit.Assim, sua estatura se torna aquela que se estende desde as profundezas do Inferno (Olam Assiah) até os pontos acima do Céu (OlamAtiziluth), restaurando a conexão identitária entre os planos macrocósmico e microcósmico e a complementariedade dos arquétipos divinos. Portanto, o Iniciado, mediante seu perfeito entrelaçamento com o Divino (ShT), torna-se o corrompedor, Teh, que se expande por todo o domínio do Tao (AL) e atinge a Suprema Consecução (LA).

A união Divino-Matéria, Transcendência-Imanência, Divindade-Humanidade, יהוה‑אהיה

Vide em Liber Vestao robe do Probacionista 0°=0(AstrumArgentum), grau que reflete a “pureza” dos véus negativos

Draco está relacionado com o grego Drakon (δρακων). Em hebraico corresponde a תנין, serpente, dragão, que por gematria, é 510;o Dragão-Serpente, que “representa Draco conectado com Nuit; Ananta a grande serpente que circunda o Universo. Ela devora sua própria cauda, reduzindo a Zero” (Liber 777). O mesmo valor é obtido com ריש, a letra ר (Resh) por extenso, que significa cabeça –parte do corpo e principalmente a ideia de líder – e face.

Nas saudações solares de Liber Resh, pretendemos trazer para nosso Ser (יש, 310) as forças do Sol (ר, 200), “nosso Senhor e Pai” (Liber XV) e, assim, dia e noite, formulamos o Cabeça, a revelação da Face, ריש, 510, o tetragrama extático da Morte, תנין, analisado no Quadro adiante.

Após reconhecer firme e verdadeiramente uma conexão com o Regente que está por trás do Sol Místico⊙(do grego mystiko, μυστικό, “secreto”), encontramos o “SENHOR secreto e inefável” (Liber XV), Phallus; “A cabeça, que é incompreensível, está secreta no secreto.” (KabbalaDenudata, SPRA DTzNIOVThA, § 9º).

Breve estudo do tetragrama תנין

תנין
FecundaçãoNascimentoDesenvolvimento e ReproduçãoMorte
Cruz TauBrotar (Nun)MãoPeixe
O Grande da Noite do TempoA Criança dos Grandes TransformadoresO Magus da Voz de PoderO Senhor dos Portões da Morte
Caput DraconisScorpioVirgoCauda Draconis
Escuridão da Matéria em ExtensãoVidaÊxtase da descida sobre a matériaConhecimento de Hadit
ManifestaçãoMaldição da ManifestaçãoIluminação (Lux Mundi)Dissolução
Stauros (777)– CruzSerpente de bronzeLanternaAUGMN
BabalonTherionHaditNuit
DragãoÁguiaSerpenteEscorpião
Universo (Atu XXI)Morte (Atu XIII)Eremita (Atu IX)Morte (Atu XIII)

Como o operador da manifestação e da aniquilação de manifestação, Draco é Nuit.Isso é observável mediante exame dos Atus: 21 (Universo) + 13 (Morte) + 9 (Eremita) + 13 (Morte) = 56.

Eu sou Nuit, e minha palavra é seis e cinquenta. – AL, I:24.Segundo os comentários do Profeta a este verso de Liber AL, “6, Vav, é o Touro; e 50, Nun, o Escorpião. Mas 6 é também o número do Sol, nossa Estrela. O N de Nu é, portanto, o Dragão – “Espaço Infinito” – e V são “as Estrelas Infinitas de lá.” Em seguida conclui que “O Dragão no simbolismo atual se refere ao Norte ou Vazio do Céu; portanto, ao Útero do Espaço, o qual contém e nutriz tudo o que existe.”

Nuit, em última análise, é o Vazio cujo poder não pode ser conceituado, nem mesmo a noção de poder. Ela é o Não-Todo, o Nada (Ain), de onde tudo e até mesmo a noção de si mesma proveio.

Observe, ainda que, em Liber Reguli, formulam-se os pentagramas adversos e os sinais de N.O.X. (נ, ע, צ, 210). Então, o Fogo do Espírito (Aiwass, ש, 300, o Espírito de Draco) é invocado para habitar a Criança do Aeon: N.O.X., 210 + ש(Fogo/Espírito) = 510 (ריש, cabeça, face; תנין, Draco). Ao final, a manifestação do Pai é afirmada: Ao meu redor flameja a Face de meu Pai, a Estrela de Força e Fogo! – Liber V.

O valor 510 também é o de Νυξ, Nix, Noite, uma deusa primordial da mitologia grega. Ela é a Mãe de Aether, Αἰθήρ, termo que provém do étimo grego de queimar, iluminar, “Ar Superior”.

Note aqui forte paralelo entre ΝΥΞ (NIX) e N.O.X., a Noite de PAN que encobre a Cidade das Pirâmides. De acordo com Junito de Souza Brandão[2] (p. 191),

Nix simboliza o tempo das gestações, das germinações e das conspirações, que vão surgir à luz do dia em manifestações de vida. É muito rica em todas as potencialidades de existência, mas entrar na noite é regressar ao indeterminado, onde se misturam pesadelos, íncubos, súcubos e monstros. Símbolo do inconsciente, é no sono da noite que aquele se libera.

E, ainda, 510 é o mesmo valor de θύρα, thura, “portão”.

Por fim, a palavra em hebraico para “veneno”, que também consiste de outra grafia para “cabeça”, é ראש, cujo valor gemátrico é 501. Quando a serpente ט (valor 9), aquela que intermedeia a conjunctio alquímica entre o Sol e a Lua , é somada ao veneno, obtém‑se o mesmo valor do Dragão-Serpente, 510.

A vinha deles é de Sodoma[סדם, valor 104]e das lavouras de Gomorra[עמרה, valor 315]. Suas uvas estão cheias de veneno, e seus cachos, de amargura. O vinho deles é ardente peçonha [ira, cólera, חמת]de dragões [Draco com ם, formando o plural,תנינם;valor 550], e o veneno [ראש, valor 501; forma variante וראש, valor 507] mortal de víboras.

Deuteronômio 32:32,33

Aqui há estreita relação entre a Serpente ט, soletrada טית (valor 419), e as cidades de Sodoma + Gomorra (סדם + עמרה, valor 419). O veneno (ראש) de Draco provém das vinhas de Sodoma e das lavouras de Gomorra.

Em Sodoma, os homens eram maus, brutais (רע), e eram pecadores (חטא) como as Antigas Serpentes (חטא, vide Liber D; plural). Em Gomorra, as mulheres se deleitavam livremente.

Note também que ao unir a Serpente טית (valor 419) com a Filha[3], a Virgem/Malkuth, cujo título é Malkah (מלכא, valor 91), restaura-se o Pai (Draco, 510), tal como Abisague foi trazida ao doente Rei Davi para que o “aquecesse”. Interessantemente, Abisague é formado por אב, “pai” (título de Chockmah) + ישג, “conquistar, encantar”; i.e., “encantadora do pai”.

Quando o rei Davi envelheceu, já de idade bem avançada, cobriam-no de cobertores, mas ele não se aquecia. Por isso os seus servos lhe propuseram: “Nós vamos procurar uma jovem virgem para servir e cuidar do rei. Ela se deitará ao seu lado, a fim de aquecer o rei”. Então procuraram em todo o território de Israel uma jovem que fosse bonita e encontraram Abisague, uma sunamita, e a levaram ao rei.

1 Reis 1:1-3

Com todo esse exame, Draco pode ser considerado o Portão para A Noite, a Cabeça Secreta que toca Nuit, a Face do Pai, o Fogo Informe na Escuridão de N.O.X.,a Revelação do Espírito em N.O.X., o Dragão cujo Veneno dissolve o Adepto ao longo da Maestria na Noite de PAN.

Observe, ainda, que da união de 510 (תנין, Draco) e 156 (באבאלענ, BABALON) resulta 666 (ΤοΜεγα Θηριον, To Mega Therion). A fórmula geracional se mantém no mundo arquetípico, pois O Filho, Therion, advém da união primordial Phallus‑Kteis, isto é, entre CHAOS, o Vice-Regente do Sol sobre a Terra, e BABALON, o Útero no qual todos os Homens da Terra são gerados (vide Credo em Liber XV)

O Dragão-Serpente unido à Mulher Escarlate, que é um aspecto de Nuit, resulta na própria Besta, o Filho. Ao mesmo tempo, ao se unir plenamente ao Dragão-Serpente, a própria Mulher Escarlate realiza a consecução do Sol Místico (666).

Mas que ela se erga em orgulho! Que ela me siga em meu caminho! Que ela trabalhe o trabalho da perversidade! Que ela mate seu coração! Que ela seja estrondosa e adúltera! Que ela seja coberta com joias e ricas vestimentas, e que ela seja desavergonhada ante todos os homens! Então Eu a elevarei aos pináculos do poder: então Eu gerarei nela uma criança mais poderosa que todos os reis da terra. Eu a preencherei com alegria; com minha força ela verá & golpeará na adoração de Nu: ela alcançará Hadit.

(AL, III:44-45)

Nosso Pai e Seu Portal

De igual modo, a entrega ao Cálice de BABALON possibilita a ascensão do Dragão‑Serpente aos véus negativos, os plenos domínios de Nuit;a “fórmula de 156 é copulação constante ou Samadhi com todas as coisas” (Nota 11 ao 12º Aethyr, Liber CDXVIII).

O próprio Dragão-Serpente ainda pode ser equiparado à Kundalini. A ascensão de Draco envolve se associar a Babalon, a força libidinal que abre os portais progressivos de iluminação – frise-se que 510 é o mesmo valor de θύρα, thura, “portão”,de ריש, cabeça, face, e תנין, Draco. Aqui está nous, que tem sophia. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher se assenta– Apocalipse 17:9.

Selo de Babalon

Ou, a Kundalini, em sua progressiva expansão pelos sete portais do Universo microcósmico, goteja o doce veneno sobre cada uma das cabeças que se abre com o encantamento de Babalon.Estes são os sete chackras maiores, cuja ativação perpassa pela libido da subida, que goteja o veneno da serpente ao longo do caminho.Com o torpor do pleno envenenamento, no ápice do Amor, há ativação de Sahashara.

De qualquer forma, Draco e Babalon tornam-se uma só coisa. Então, o Pai outorga a Luz do Mundoa seu Filho e Herdeiro, A Besta; contudo todo o controle, o Porte da Lâmpada, permanece sempre com Nossa Senhora Babalon, pois n’Ela está todo poder dado (AL, I,15). D’Ela provém o engendramento da Vida residente na Luz; é a Mãe das Abominações bem como a libido criadora e mantenedora de todas as coisas.

Assim como no mito do nascimento do Messias, os Magi da Terra anunciam que o Amor que enlaçou Pai e Mãe, agora também une Mãe e Filho. Eles ainda afirmam que são testemunhas desse Amor, o qual é predestinado a unir A Besta com todas as Noivas da Terra. E nesse contínuo exercício, a Liberdade deflui naturalmente, restaurando o Pai pelo Amor da Filha. “Omnia in Duos: Duo in Unum: Unus in Nihil: Haecnec Quatuornec Omnianec Duo nec UnusnecNihil Sunt.

Atu VI – Os Amantes

Aqui, é importante relembrar a mal-dicção dos Magi, cujas palavras trazem, em si, falsidade. É no mínimo paradoxal que o exercício da potência que decorre da Liberdade implica restrição dessa mesma potência. Deve-se, pois, frisar que aFala NãoDita é pluripotente; a Fala Dita é multipotente, pois sua exteriorização limita as possibilidades de significados ou, ao menos, limita o próprio significante.

Portanto, embora os Magi pretendam ser profetas, seres que devem proferir o Logos do Aeon, estão fatalmente destinados a interpretações errôneas, à limitação da Fala e à dualidade Verdade-Falsidade da Palavra manifestada, como se fossem duas faces da mesma moeda.Ao cumprirem seu destino, eles assumem a maldição de serem pseudoprofetas, e a Palavra proferida se propaga através da supraconsciência em que habitam (Supernas).Todas as palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros – AL, I:56; Assim como beijos malditos corrompem o sangue, também as minhas palavras devoram o espírito do homem – Liber LXV, I:14.

A solução é o Três em Um (DrakonTherionPseudoprophetes) se manifestar através de seu próprio veículo, a Consciência Objetiva. Nesse caso, as bocas não mais se abrem para falar, mas sim para dar vazão ao Espírito de Corrupção, que conclama diretamente do coração dos Iniciados, que possuem a mácula da divindade, a Marca, assim como aquela de Caim.

E vi três pneumataakharta[πνευματα ακαθαρτα; espíritos impuros, corrompedores da moral] semelhantes a rãs saírem da boca de drakon [δρακων; dragão], e da boca de therion [θηριου; besta], e da boca do pseudoprophetes[ψευδοπροφητης; pseudoprofeta]. Porque são pneumatadaimonion[πνευματα δαιμονων; espíritos de daimon], que produzem marcas maravilhosas, os quais vão ao encontro dos reis da terra e de todo o ecúmeno, para os congregar para a batalha, naquele grande dia do Deus Todo-Poderoso [θεουτου παντοκρατορος].

As rãs nada mais são do que os espíritos ordenados para a queda dos pilares do Aeon de Osíris, que conclamarão a congregarão dos “reis os reis da terra” e de toda região habitada (ecúmeno, οικουμενη). Em hebraico, rãs é צפרדע, cujo valor é 444, a quebra de Jesus (Ἰησοῦς, 888), talvez o principal epíteto do Senhor do Aeon de Osíris.

O mesmo valor, 444, é atribuído ao “enrodilhar da serpente”, σπειρηµα, equivalente grego à Kundalini– palavra do sânscrito que significa “serpente enrodilhada” –, ou Hadit, a Serpente prestes a saltar. Eu sou a Serpente secreta enrodilhada prestes a saltar: em meu enrodilhar há alegria– AL, II:26.

Em outras palavras, Hadit, “Aquele que Vai”, move-se ao encontro do Reis da Terrae de todo o ecúmeno, os que foram marcados pelo conhecimento d’Ele. Reunidos, lutarão na guerra ao lado de Ra-Hoor-Khuit, pela Causa da Liberdade, para romper os grilhões da ignorância e da opressão. Portanto os reis da terra serão Reis para sempre: os escravos servirão – AL, II:58.

Pela fórmula do Dragão, que é simultaneamente a expressão de Nuit e a própria conjunção Babalon-Therion, o Amor gera o Silêncio final mesmo na propagação da inércia da cadência do movimento: o gozo sempiterno. Assim, o “Eu” é completamente aniquilado, deixando marcas de sua existência no Espaço Infinito, assim como uma Estrela que se destrói no leito de Nuit, cujos brilho e poeira perpetuam nos confins do Universo. No entanto, são marcas ilusórias, pois não há existência fora de Nuit, Nossa Senhora do Nada, tal como não há aniquilação sem a operação da Serpente de Hadit.

Para além das complexidades terminológicas, de operações mágickas ou de pensamentos que agora possam parecer intangíveis, o átimo do gozo terreno como resultado do Amor realizado sob as pulsões direcionadas (Vontade) é uma pequena amostrade uma promessa de Liber AL. Ah! tua morte será amável; quem a vir ficará contente– AL, II:66.

Emborahaja clara conotação sexual nisso, o Sexo não é ato banal e meramente fisiológico. O orgasmo é não só Geração da Vida, mas também a Comunhão com a Morte. É, portanto, uma celebração de elevada sacralidade, pois envolve: o acendimento da pira de elevação pela centelha de Hadit; a invocação do Sagrado Anjo Guardião (SAG), o Amante Secreto; o culto ao Fogo Informe; a visão de Deus; a totipotência de plena criação; o batismo do Espírito Santo; a outorga de poder à Besta.

A exaustão pós-orgástica, que possibilita a iniciação para além da Morte, ou a experiência decorrente do sono de Siloam, é a confirmação da progressão de Vida na própria fórmula da Morte (AUGMN): a Alta Sacerdotisa (G, ב, Atu II) que aguarda após o exaustivo sacrifício do Dependurado (M, מ, Atu XII), o despertar de Shiva. Ela sustenta o Amor extático perpétuo, que foi chamado anteriormente de gozo sempiterno, no qual é realizado o batismo de sabedoria pelo qual realizamos o mistério da encarnação (N, נ, Atu XIII; vide quadro anterior). Em seguida, a alma bhrâmica vagueia (A, א, Atu 0) até encontrar o corpo em que possa se manifestar e desenvolver a Vida (U, ו, Atu V).

AUGMN: 0 + V + II + XII + XIII = 32 = אהיהוה. De certa forma, na fórmula AUGMN, atribuída a Scorpio – o qual engloba a viabilidade de vida e os emblemas da morte – evidencia-se indissolubilidade da união Divino‑Humano.

Dessa forma, é óbvio que o Sexo não se refere à sua faceta física “ato sexual”. Vai muito além, perpassando por pequenos até grandes atos da existência, como: a subjetividade como entrelaçamento das polaridades físicas, emocionais, espirituais e sociais; a espiritualidade como um rio de pulsões de vida; a cadência do coração; o giro helicoidal do DNA; a penetração da luz na escuridão; o cuidado com o próximo; a tolerância e respeito com o distante; a degolado inimigo;a travessia para o mundo onírico; a androginia da Alma; a reconciliação dos opostos internos; o Desejo ardente ao SAG.

Nosso Dragão, portanto combinando as Naturezas da Águia e da Serpente, é o nosso Amor, o Instrumento da nossa Vontade, por cuja Virtude nós executamos a Obra e Milagre da Substância Única, como diz teu Antepassado Hermes Trimegistus em sua Tábua de Esmeralda.

Cap. 157, de Liber CXI

Dessa eterna conjugação sexual, dracônica, chamada existência resulta continuamente o Filho, “o fruto do pecado”, Therion. As palavras dos Magis, os pseudoprophetes, são continuamente reavivadas, trazendo a nossa Lei, a proclamação de Therion – O Profeta.

Por meio da tríade Drakon-Therion-Pseudoprophetes, os espíritos dos gênios (daimonion) que produzem marcas (semeia) – iniciadores –, são lançados para reunir os Reis da Terra e os habitados pelo conhecimento da Serpente. Eles são chamados para participar da batalha do dia de Deus Pantokrator – e não contra Deus Pantokrator, como os crististas fazem parecer.

ChristosPantokrator, pintado na Igreja de Sant Climent de Taüll (Catalunha); desenho de Baphomet, o Theos Pantokrator,assinado por Éliphas Levi.
Sim, TheosPantokrator (“Deus Todo-Poderoso”). Afinal, Baphomet tem o título de Templiomniumhominumpacisabbas, O Pai do Templo da Paz de Todos os Homens.
Ora, o Fogo Secreto do Eremita (Atu IX) não provém da Luz do Diabo (Atu XV), a Estrela Flamígera na fronte de Baphomet, ⛥? A Lanterna ilumina à frente do Eremita; a Lâmpada, arma atribuída a ע, fica acima, sendo o Fogo Informe, que no Meio-Dia simbólico, dissipa todas as sombras.
É exatamente essa Estrela, cujo fulgor é a lux mundi (João 9:5), que se precipita sobre o kosmos. Ela se forma com o curvar de Nuit, extática em todo seu esplendor (ש, a ponta superior do ⛥), para beijar os ardores secretos de Hadit, que é a serpente enrodilhada (ט, kundalini).O resultado dessa interação é o clímax da descida à matériapor meio da formulação do ⛧, o sinal para a teurgia da reintegração do espírito (vide Atu IX, em o Livro de Thoth).

Após a batalha do dia de Pantokrator, os Reis da Terra e os ecúmenos retomam o ciclo de revelação do Pai pelo Filhomediante o Beijo da Serpente (ShT): Το Μεγα Θηριον, 666 + שט, 309 = 975, δρακων, Drakon. E o peixe será sacrificado a Ti e o homem forte crucificado para Mim, e Tu e eu beijaremos, para reparar o erro do Início; sim, para reparar o erro do Início – Liber VII, IV:59.

Como thelemitas, conjugamos os desígnios da Vontade rumo a este Beijo de perversidade até que não mais haja a falsa pureza da mulher virtuosa ou homem virtuoso, mas apenas a castidade em plena virtù. O fraco, o covarde, o pobre, o queixoso, o imperfeito e o tímido que habita em nós serão destruídos, porque na Terra de Reis não há ecúmeno para eles; eles morrerão em sua miséria.

Mas certamente isso não é tarefa fácil. Os trabalhos de maldição e morte são presididos por Saturno (32º caminho, a cabeça de Draco). Implicam responsabilidade e“karma”bem como a capacidade de suportar a carga do sangue derramado, tal como o “peso” da Marca de Caim pelo sangue de Abel.

Não se trata de lutar contra essa dor imanente à existência física, mas de abraçá-la integralmente, de modo que se permita à ascensão da virtù de Caim e ao livre fluir do sangue de Abel, que irrigará as flores do Espírito (ש). Por aí, temos uma pista sobre a prática da (auto)compaixão em Thelema, o vício dos reis– AL II:21.

E isso corresponde a operações de alquimia interior (solve et coagula), pois a menos que os inimigos‑irmãos internos sejam mortos, digeridos, absorvidos e tolerados, eles continuarão a atormentar, e ganharão poder sobre si. A exposição da inocência é uma mentira. Sê forte, ó homem! – AL, II:22.

Assimé a Iniciação no Aeon da Criança. Ele[4], o Diabo, PAN, Satã, o Dragão‑Serpente, a Estrela Caída, o Sapo Negro, o “Verme que não Morre”, o Criador e Aniquilador de Deusas e Deuses,diuturnamente nos empurra adiante contra esses inimigos internos e, ainda que nas entrelinhas da Vida, nos mostra o método por meio dos ordálios d’A Besta.


[1]Vide Liber Reguli.

[2]BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1986. v. I.

[3] O nome da Filha de Babalon (A Filha dos Poderosos), Malkah, a Virgo Mundi, ainda é desconhecido; a Filha é descrita no 9º Aethyr e no Atu XXI.

[4] Que, em última análise, é Ela, Nuit.