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I

O curso óbvio para aquele que deseja escrever sobre Magick é invocar o Deus Thoth, pois Ele é Senhor tanto de magick quanto da escrita.

Em verdade, este é um deslize muito adequado para nossa coleira de silêncio. A palavra usada por Sir Walter Scott para Magick é “gramário”, e um ritual de magick é um “grimório”, “grimorium” ou gramática; todos de gramma, uma carta. Thoth, escriba dos Deuses, foi provavelmente apenas um homem chamado Tahuti – forma egípcia para a palavra copta Thoth –, quem inventou a escrita. Fust, lembre-se, quem inventou a imprensa, tornou-se Fausto, o “mago negro”. O primeiro grande milagre do progresso, depois da conquista do fogo, foi a arte da escrita.

Magick, então, pode ser definida, para nosso propósito atual, como a arte da comunicação sem os meios óbvios. Curiosamente, os novos arreios daquela forma de fogo – uso a palavra em seu antigo sentido mágico –, chamada eletricidade, para o varal da carruagem do progresso foram sucedidos por uma nova arte, ou melhor, por uma série de artes de comunicação sem os meios óbvios: o telégrafo, o telefone, a recém-descoberta de Hertz (explorada por um Signor Marconi) da telegrafia sem fio.

Agora nenhum homem duvida da existência de um poder supremo e ilimitado, independentemente se o concebe como sem alma, inconsciente ou mecânico, ou como espírito autoconsciente e obstinado. Você pode pensar que o Sol seja Deus; algumas pessoas muito ignorantes e algumas iluminadas pensaram assim; mas é indiscutível que o Sol, dentro dos limites de seu próprio sistema é, fisicamente falando, a fonte de toda luz, calor, Energia em todas suas formas, bem como da própria terra, Essência ou Matéria em todas as suas formas, tal como a conhecemos.

Se desejamos obter calor do Sol, podemos sair e nos sentamos em Palm Beach; ou podemos descobrir a energia solar na forma de um carvão – e assim por diante. Em uma centena de formas, podemos fazer comunicação com aquela fonte material de calor. Pois bem, magick pretende poder fazer a mesma coisa com a Fonte Secreta de todo Ser e de toda Forma, toda Matéria e todo Movimento.

Alega poder retirar água da Fonte de Todas as Coisas, de acordo com suas necessidades, por meio de certos métodos. E, embora a oração ordinária seja uma parte de Magick, deve-se considerar que, na teoria puramente religiosa, Deus ou não entender adequado responder à oração. Essa, então, é a grande heresia de Magick – ou da religiosa, se você for um Magista! O Magista afirma ser capaz de forçar uma resposta favorável. Se ele tentar fazer o Elixir da Vida e falhar, ele simplesmente falhou. Ele é um mau Magista, assim como é um mau químico aquele que tenta produzir oxigênio e falha. O químico não se justifica dizendo que era a Vontade Deus que ele não pudesse produzir oxigênio naquele dia!

A explicação é simples. O que o Magista chama de Deus é meramente a Emanação divina nele mesmo. E a reconciliação com a teologia ortodoxa acontece simultaneamente. O Magista está usando a fórmula de Hermes Trismegistus, “Aquilo que está embaixo é como o que está em cima, e aquilo que está em cima é como o que está embaixo, para realizar dos milagres da Substância Única”. Isto é dizer que, para realizar seu milagre, ele deve convocar seu próprio Deus no Microcosmo, que está unido com o Deus do Macrocosmo por sua semelhança a ele; a força Macrocósmica opera, então, no Universo exterior, na medida em que o Magista a fez operar dentro de si próprio; o milagre acontece. Segue-se, então, salvo se a vontade do magista for realmente una com a Vontade do Cosmos, essa semelhança não existe, essa identificação não acontece. Portanto, o magista não pode realizar nenhum milagre a menos que já seja o Desígnio do Universo. Assim, aquele que começa dizendo “Eu imporei minha vontade sobre todas as coisas” termina com “Tua vontade será feita”.

É possível realmente fazer magia em outras formas, por outras fórmulas, mas todos os esforços nesse sentido são meras aberrações temporárias do caminho; na melhor das hipóteses, elas são erros. Persistir nelas conscientemente é magia negra e, na pior das hipóteses, o feiticeiro é cortado, por meio de seu ato, pelo próprio Cosmos e se torna um “Irmão do Caminho da Mão Esquerda”. Essa verdade é ensinada por Wagner em Parsifal. Klingson foi incapaz de satisfazer os requisitos dos Cavaleiros do Graal; ele foi incapaz de harmonizar Amor e Santidade; então, ele se mutilou e foi impedido, para sempre, até mesmo de uma possibilidade de redenção.

Foi por a Igreja interpretar mal essa doutrina e ver na magia apenas um poder rival que ela se esforçou, com toda a agonia do medo, para a suprimir. Prontamente apenas charlatães ousaram praticá-la, pois eram conhecidos por serem inofensivos. A coisa toda caiu no desprezo.

Quando tinha vinte e dois anos de idade, eu me devotei à consecução do adeptado, ou como queira chamá-lo. Esta era, na verdade, a pergunta: de que eu deveria chamá-lo? (Pois, antes de tudo, eu sou poeto e perito no uso de palavras.). Eu chamar decidi chamar minha obra de vida de magick.  Justamente por ter caído completamente em desuso. Eu parei deliberadamente de usar o jargão moderno: “teosofia”, “ocultismo” e assim por diante, todas as palavras com conotação atualizada. Eu faria minha própria conotação e a imporia para o mundo. A única possibilidade de confusão seria com mágica (prestidigitação), mas não sendo do mesmo universo de discurso, prejudicaria não mais do que a homonímia de “caixa”, “jogo” e outras centenas de palavras. Havia também um quê de provocação infantil em minha escolha da palavra. Porém, eu mesmo me colei a ela e usei um bom chiclete.

Com o intuito de mostrar como, na prática, se trabalha, é necessário insistir que Magick é feita mediante uma identificação do mago com o Supremo.

Há dois ramos dessa única árvore. Podemos, por conveniência, chamá-los de católico e protestante.

O método protestante é aquele de oração direta.

Assim como uma criança pede a seu pai um brinquedo, o magista pede a Deus que chova, ou o que quer que ele precise no momento. O livro de orações é cheio desses feitiços, até mesmo o uso extremo de “Ó, Senhor, que solitariamente opera grande maravilhas, envia a nossos Bispos e Vigários o espírito sadio de Tua graça”. Mas não há registro de nenhuma resposta favorável a essa oração particular!

Na oração suprema de Cristo em Getsêmani, encontramos a fala do magista avançado. “Se for Tua vontade, afasta de mim este cálice; contudo, seja feita Tua tua vontade, e não a minha”. Isso termina em “Seja feita Minha vontade, que é Tua”, pois, depois um tempo, Cristo diz a Pilatos que, se quisesse, poderia ter doze legiões de anjos para defendê-Lo. Mas ele não mais deseja que o cálice seja afastado d’Ele; a vontade d’Ele é uma com a do Pai.

Agora, para persuadir o Deus a que nos endereçados de que deve ser concedido o pedido, ou para se convencer de que se está pedindo por um milagre adequado, recorre-se à rememoração de outros milagres operados pelo Deus no passado.

Assim, o talismã feito pelo Dr. Dee, que provocou a tempestade na qual a Armada Espanhola foi destruída, desenhou nele uma imagem simbólica de uma face soprando um forte vento, e ao redor dela está o versículo “Ele enviou Seus raios e os assustou” – ou palavras similares. Deus é lembrado por, no passado, ter trazido vitória ao Seu povo eleito, causando uma tempestade no momento oportuno. Há, em sentido jurídico, um precedente para um milagre.

As conjurações dos Grimórios abundam nesse tipo de recitação diante do Deus de Suas façanhas anteriores.

Há, então, aqui uma relação com a segunda forma de magick – a “católica”. Isso porque a fórmula de magick católica é esta; a estória do Deus é encenada diante d’Ele; Ele é movido por sua visão de Seus próprios sofrimentos ou aventuras (aqui devemos lembrar que a maioria dos Deuses são homens deificados), e, ao mesmo tempo, a simpatia dos atores com o Deus é levada ao ponto máximo.

As Bacantes de Eurípedes é um exemplo perfeito desse tipo de ritual. Em verdade, quase todos os dramas gregos desse período clássico são desse tipo. O fala final “deus ex machina” marca a identificação completa.

Similarmente, os Mistérios Eleusianos celebravam as aventuras de deméter; os de Adônis e Osíris e Mitra contam a estória do Sol e, assim, invocam seu poder.  J. M. Robertson vai além e diz que a estória da Última Ceia, o Julgamento e Crucificação de Cristo não é uma história, mas um cenário. Esta visão não é restrita a racionalistas e antropólogos do tipo de Spencer, Frazer e Grant Allen; muitos místicos cristãos a sustentam e dizem que sua reverência pelo Logos não é diminuída, mas aumentada, pela identificação da lenda da vida e morte d’Ele com aquele do Cosmos.

Devo novamente chamar atenção para a necessidade dessa fórmula de identificação para mostrar a impossibilidade do maligno em magick. O maligno é sinônimo de falha.

Não temos nada com o feiticeiro baixo que se vende como um escravo a algum “demônio”. Essa é a antítese de magick. O objetivo é comandos os espíritos. Pois bem, suponha que começamos em um caminho grosseiro, egoísta e avarento e tentamos fazer com que os espíritos nos tragam ouro. Podemos chamar Hismael, o Espírito de Júpiter. Nada acontece. Aprendemos que Hismael não é comandado senão pela Inteligência correta, Iophiel. Então chamamos Iophiel. Há igual recalcitrância da parte de Iophiel, que é obediente apenas às ordens de Sachiel. Mesma estória com Sachiel, seu Anjo. Vamos para Tzadquiel, o Arcanjo. Ainda não dianta, pois Tzadquiel obedece a ninguém senão a El. Bem, invocamos El, o Deus. Devemos, então, nos tornar El e, tendo feito isso, tendo entrado vasta essência divino, não mais conseguimos nos incomodar se temos, ou não, dinheiro. Deixamos tudo isso para trás. Então, vemos que, para realizar qualquer milagre, devemos mostrar uma razão divina. Eu muitas vezes pedi por dinheiro e obtive, mas somente quando o dinheiro era realmente necessário para algum proveito manifestamente cósmico.

Em verdade, qualquer que seja o trabalho com que alguém, ele é levado para a Grande Obra. Esse é o processo lógico e, mesmo que a pessoa fosse tentada a ser ilógica e se voltasse para Magia Negra, aquelas grandes forças cujos nomes (talvez por ignorância) foram invocados estão invisivelmente em volta dela e a colocam na linha com um puxão – e um puxão nada gentil!

Eliphaz Levi define Magia Negra como o resultado da persistência da vontade no absurdo. Não se enlouquece vendo o diabo, porque, antes de invocá-lo, já se deve ter enlouquecido.

É extraordinário como a fórmula de Hermes Trismegistus vigora integralmente. Magick é apenas a extensão do microcosmo no macrocosmo. E como o macrocosmo é o vasto, segue-se que o que se faz mediante magick é apenas se harmonizar com o Infinito. “Em meu próprio self, sou nada: em Ti, sou Tudo-Self. Habita em mim! e traga-me para aquele Self que está em Ti!” conclui a nobre oração dos rosacruzes.

Isso, porém, explica porque aqueles que se intrometem em magick por curiosidade, ou que tentam trair magistas, encontram-se maus lençóis.

O Magista é uma expressão da Vontade do Universo: os intrometidos se rebelam e sofrem. Opor-se a um verdadeiro Magista é tão estúpido quanto colocar sua mão sobre uma serra circular em movimento. Mas o maneta culpa a serra.

Sei de um Mestre moderno que tem sido atacado muitas vezes. Em todo os casos, o agressor veio à absoluta ruína. Uma mulher foi até ele, uma mulher velha e ardilosa, e se infiltrou, conquistando sua confiança. Ele a reconheceu como uma inimiga e nela confiou absolutamente. Ele deixou o talão de cheques assinado, e ela roubou seu dinheiro. Ele deixou a esposa em seus cuidados, e ela tentou corrompê-la. Certo tempo depois, ficou óbvio que o Mestre sabia de tudo. Ele apenas sorriu e continuou a confiar nela. Então, ela pegou meningite e este foi o fim para ela.

Em tal caso, o único erro que o magista pode cometer é se defender da forma normal. Ele deixa seu castelo; ele será assassinado. Você não deve ir para o terreno do inimigo. Perfeito amor, perfeita fé, perfeita confiança e você é inatacável. Mas use as armas da carne e você está perdido.

II

É nesta investigação um tanto seca, beirando, temo, a metafísica, que deve ser procurada a razão para o renascimento de magick. Sem que primeiramente seja dada essa explicação, pode parecer mero fenômeno de loucura, uma exacerbação histérica devido à supercivilização.

Mas, supondo que a forma irrefutável de idealismo, a qual contém em si a demonstração de que, sendo o conhecimento uma função da mente – como os materialistas não apenas admitem, mas insistem –, o universo como o conhecemos é equivalente ao conteúdo dessa mente. E, supondo que a mente contém um poder capaz de controlar o pensamento, então, não há absurdo em afirmar que a mente pode dominar a matéria. E as regras empíricas estabelecidas pelos magistas de outrora podem se provar úteis, até certo ponto, na prática.

Tais regras são, de fato, herança dos Magos. Este não é o lugar para discutir os casos controversos dos Rosacruzes, do Conde de St. Germain, de Cagliostro e de outros cujos nomes surgirão prontamente. Os períodos em que viveram são obscuros e as controvérsias, estéreis. Mas é pelo menos evidente que alguma tradição válida espreitava em algum lugar, pois, na memória dos homens vivos, estão Eliphas Levi e seu pupilo Bulwer Lytton. Mas não é filosófico supor que Levi era um gênio pretensioso, embora ele afirme ter “forçado uma resposta dos antigos oráculos” e, de fato, ter reconstituído magick. Não acredito que isso seja estritamente verdade; acredito que Levi tinha mestres vivos. Mas é inegável que Levi traduziu ideias antigas em termos modernos pela primeira vez. Além disso, a influência do grande mestre foi enorme, mesmo em esferas externas ao seu mundo particular. O renascimento da literatura francesa, com Baudelaire, Balzac, Gautier, Verlaine, de Banville, d’Aurevilly, Haraucourt, Rollinat, os de Goncourt e uma dúzia de outros nomes de primeira ordem, foi, em certo sentido, sua obra. Foi ele que formulou os postulados filosóficos que tornaram sua arte possível e triunfante. Frases como “Um estilo puro é uma auréola de santidade” podem expressar como genuíno cânone da arte. Suas reconciliações de direito e dever, liberdade e obediência, são cardeais para o portão do pensamento moderno. Não hesito em afirmar que, muito em breve, “A Chave dos Mistérios” será reconhecida como a própria encarnação do espírito de seu tempo.

Em seu livro, Levi ofereceu à Igreja uma saída para as dificuldades causadas pelo avanço da Ciência. Ela a ter rejeitado foi seu suicídio; assim como o desdém de Napoleão pela filosofia política de Levi foi escrito, em grandes letras de sangue, em Wörth, Gravelotte, Metz e Sedan.

No entanto, os poucos aptos à iniciação levaram Levi em seus corações; e a partir de então, o renascimento de magick nunca esteve em dúvida. Em momento próximo da morte de Levi, foi fundada a Sociedade Teosófica; e a dívida de Blavatzsky com o Adepto francês é a maior de todas as suas obrigações. Na Inglaterra, Anna Kingsford — um mero megafone para Edward Maitland — estava trabalhando; também havia o Sr. S. L. Mathers, um notável magista que posteriormente ruiu e despedaçou sua reputação; e, nos anos noventa, a figura gigante de Allan Bennet.

Na própria literatura mágica encontramos, como é de se esperar, um reflexo desses fatos. Desde Christian Rosencreutz, não há nada sério e em primeira mão, até Eliphas Levi. A tradição mágica foi a base de fábulas graciosas, como Ondina, e de frivolidades, como The Rape of the Lock e sua fonte, o Conde de Gabalis. Às vezes ela é tratada com mais seriedade, como em “O Monge”, de Lewis, e “Frankenstein”, da Sra. Shelly. Há lendas de Cagliostro também nas “Memórias de um médico”, de Dumas, e há o “Diable Boiteux” e o “Diable Amoreux“. Nem jamais deve ser esquecido aquele terrível e verdadeiro apólogo mágico “La peau de chagrin“.

Casanova dá uma visão admirável sobre o assunto, e Thackeray o copia de maneira inteligente em “Barry Lyndon”. Mas é tudo boato.

Eliphas Levi sobe ao palco e diz claramente ao mundo: “Eu mesmo fiz tal e tal operação de magia em tal e tal lugar.”

Ele usa uma máscara bastante ilegível, é verdade; mas temos ao menos oratio recta, e não oratio obliqua. Por isso, nós que nos lembramos dos dias amargos de escola agradecemos a Deus e preferimos Levi a Lívio!

Se Bulwer Lytton não seguiu nos passos dele, foi por causa de sua carreira pública. Ele chega perto disso. Todo mundo, mesmo na mais ampla onda formada quando a Pedra dos Sábios é lançada é na água da sociedade, sabia que o laboratório de Sir Philip Duval era uma descrição precisa do próprio gabinete mágico de Lytton. Ficou claro para toda inteligência madura que, em “Zanoni”, o autor estava expondo seriamente suas próprias crenças, discutindo seus próprios problemas, justificando sua própria carreira. Na “História Estranha”, ele relata incidentes certamente vistos com seus próprios olhos.

Leia seu relato da evocação de um demônio e seu outro de uma ordálias, e compare-os com as histórias de Levi. Observe como a retidão antiga revive neles e compare-os com o lixo zombeteiro do abade cortês que escreveu o Conde de Gabalis.

É evidente onde está a verdade. E agora vamos nos voltar para a evidência de homens ainda vivos.

III

Allen Bennett nasceu na época da guerra franco-prussiana. Seu pai, engenheiro, morreu quando ele era bem criança, e sua mãe o criou como um católico rigoroso.

Quando ele tinha cerca de 8 anos, ele ouviu que se você repetisse o “Pai Nosso” de trás para frente, o Diabo viria. Essa criança empreendedora imediatamente começou a aprender de trás para frente e, quando estava perfeito em todos os detalhes, foi ao jardim e fez a oração. Alguma coisa – o Diabo ou um de seus anjos – apareceu, e a criança correu gritando de terror para a casa.

Não ouvimos falar de mais nada do mesmo tipo por um longo tempo, e o mesmo sucesso esporádico surpreendente é verdadeiro para seu primeiro passo no misticismo. Quando ele tinha cerca de 18 anos, sem nenhum sintoma premonitório, ele foi subitamente pego no transe chamado Shivadarshana. Não podemos parar aqui para descrevê-lo; basta dizer que é a mais alta realização nesta linha, exceto talvez uma, possível ao homem.

Seu efeito sobre ele foi catastrófico; ele percebeu, instantaneamente e sem nenhuma dúvida, que nenhum outro estado era digno de um momento de reflexão, e ele abandonou tudo sem hesitação; se ele ao menos pudesse descobrir como alcançar, com propósito firme, o que lhe fora imposto pelo destino. Sua tendência natural para a magia o atraiu para essa linha de trabalho, e aos 25 anos já o encontramos famoso por seus poderes nesta arte.

Ele tinha uma “vara estrondosa”, construída simplesmente a partir da cerâmica metálica de um lustre antigo, e ele estava sempre pronto, bem animado, para demonstrar seu poder, apontando-o para qualquer cético próximo, paralisando-o por algumas horas ou dias.

Para trabalhos mágicos mais sérios ele tinha uma vara de amêndoa com uma estrela dourada de cinco pontas no topo; cada ponta era gravada com uma letra do nome inefável Jeheshua; no centro havia um diamante. Com isso, ele traçava figuras misteriosas no ar e, visíveis ao olho comum, elas se destacavam em uma fraca luz azulada. Em grandes ocasiões, trabalhando em um círculo e conjurando os espíritos pelos grandes nomes da Chave de Salomão ou os “Chamados Enochianos” de espíritos dados a ele pelo Dr. Dee, ele obtinha a criatura necessária ao seu trabalho em forma visível e tangível. Em uma ocasião ele evocou Júpiter e, por uma série de acidentes, foi levado a sair de seu círculo sem banir efetivamente o espírito. Ele foi jogado no chão e só se recuperou cinco ou seis horas depois. Mas este foi simplesmente um único incidente desagradável em uma carreira de sucesso quase monótono.

No entanto, ele era certamente uma pessoa descuidada. Em uma ocasião, ele consagrou um talismã da Lua para fazer chover. (Como ele morava em Londres, não consigo imaginar por que ele fez isso!) Para que funcionasse, tinha que ser imerso em água. Ele o colocava em uma bacia ou copo, e em poucos minutos as nuvens se reuniam, e a chuva começava; instrutivo para seus alunos e benéfico para o país. Mas um dia ele perdeu o talismã, que seguiu caminho para o esgoto, e Londres teve o verão mais úmido na memória do homem!

Foi no início de 1899 que me tornei aluno desse grande mestre. Digo “grande mestre”, e peço que isso seja levado a sério, pois neste relato de magick seria enfadonho insistir em suas verdadeiras qualidades; em vez disso, devo procurar divertir contando suas desventuras. Aliás, qualquer manifestação mágica, seja lá o que for, é um incidente lamentável. Assim como na guerra, mesmo as maiores vitórias custam alguma coisa. Cada batalha é um obstáculo à marcha do conquistador.

Para explicar meu encontro com Allan Bennett, é necessário fazer um breve resumo de minha própria carreira mágica.

IV

Eu estava no terceiro ano em Cambridge quando veio o chamado. Eu pretendia ir para o Serviço Diplomático, e tinha uma grande ambição de ser poeta. Na verdade, eu havia escrito muitas centenas de milhares de linhas, todas as quais destruí diligentemente em um grande holocausto de parafina e papel cerca de oito anos depois. De repente, me ocorreu que, mesmo que eu tivesse conseguido a Embaixada em Paris – por quê? Quem era embaixador um século antes? Eu não sabia, e ninguém sabia, ou se importava.

Mesmo que eu tivesse fama como a de Ésquilo – por quê? quem lê Ésquilo? Apenas alguns trechos, mesmo em uma universidade onde os clássicos são obrigatórios.

E, de qualquer forma, um dia ou outro a terra deve cair no sol, ou morrer como a lua.

Eu vi a Vaidade das Coisas. Devo encontrar algum material para construir meu templo; algo mais permanente do que os corações e mentes dos homens.

Esta conclusão chegou a mim com bastante razão, mas com toda a força de uma visão. Estava ansioso para transmitir a qualidade do desespero. Corri para o livreiro, encomendei todas as obras já publicadas sobre Alquimia, Magia e afins, e passei as longas noites de inverno lavrando aquelas areias sombrias. Eu não tinha conhecimento suficiente nem para começar a entendê-las.

No entanto, a capacidade mágica estava lá, como será visto. “Na minha angústia clamei ao Senhor, e Ele se voltou para mim e ouviu o meu clamor.”

Esta é realmente a qualidade essencial de um magista: ele deve ser capaz, sem meios óbvios, de estabelecer suas correntes de vontade para os quadrantes desejados e despertá-los para responder. Não é necessário que a resposta venha magicamente; ele deve esperar que sua vontade seja obedecida no curso normal dos eventos. Darei como exemplo o uso que fiz de um talismã de Abramelin “para ter livros de magia”. Quando o consagrei, fui infantil o suficiente para esperar a aparição instantânea de um Gênio com chamas na boca e livros na sua mão. O ponto da história é que passei semanas com todos os livreiros da Inglaterra, tentando conseguir apenas esses livros. E o homem não sabia nada disso; ele veio por impulso.

Em contrapartida, um dos livros que comprei em Cambridge era o “Livro de Magia Negra e Pactos”, a produção cafona de um escoliasta ignorante, dipsomaníaco e meio demente chamado Waite, cujo único patrimônio era um pomposo jargão composto de palavras obsoletas. Em seu prefácio, ele disse – até onde se pode entender – que estava em contato com mais Mestres, Adeptos, Mahatmas, Rosacruzes e Hermetistas [sic] do que os que já apareceram até mesmo na literatura pseudo-oculta.

Escrevi a ele pedindo conselhos e recebi, em troca, muitas folhas de palavrórios. A única frase inteligível foi aquela em que ele me recomendou a leitura de “Novem Sobre o Santuário”, de Von Eckartshausen. Este livro falava de uma igreja secreta, de uma irmandade de iniciados, sendo aceitável. Li este livro várias vezes em Wasdale Head, em Cumberland, onde passei a Páscoa de 1898 escalando com um esplêndido alpinista, um dos três melhores que o mundo já viu, mas um terrível zombador de todo conhecimento oculto. No entanto, enviei um chamado S.O.S. para a Irmandade, e foi isso que resultou:

Em julho de 1898, eu estava em um acampamento na geleira Schönbühl, acima de Zermatt, e desci até a vila para descansar das constantes tempestades de neve. Certa noite, na cervejaria, como o jovem idiota que eu era, comecei a declarar a lei sobre a Alquimia. Ao me ouvir, alguém poderia pensar que acabei demitindo Nicolas Flamel por limpar mal meu atanor, e açoitando Basílio Valentim por quebrar meu alambique!

Um do grupo me levou muito a sério; ele viu que minha linguagem pretensiosa escondia um desejo real de conhecimento. Caminhamos juntos até o hotel. Vi que ele realmente sabia o que eu fingia saber, e abandonei minha “posição” e me tornei o humilde aprendiz. Eu havia prometido a mim mesmo retomar a conversa pela manhã; para minha consternação, ele havia desaparecido. Fiz uma busca vigorosa e três dias depois o encontrei enquanto descia o vale para Viége. Andei com ele e nunca o deixei até que prometeu me encontrar em Londres e me apresentar a uma certa Irmandade da qual ele falou sombriamente.

O resto da história é curta. Em Londres, ele me apresentou a um grande magista, conhecido pelos adeptos como Frater Volo Noscere, que me apresentou a uma verdadeira irmandade mágica. Foi mais de um ano depois que me encontrei novamente em um ponto morto. Novamente enviei um chamado de S.O.S. da cidade do México. O correio me trouxe uma carta de Frater V. N. resolvendo questões que eu não havia formulado! E novamente, dois meses depois, fiz um chamado. Desta vez um Mestre veio da Inglaterra para me ensinar um Novo Caminho – e quem deveria ser senão o montanhista, que sempre passara por um cético? No momento do meu primeiro chamado, ele estava sentado à minha frente junto à lareira, estando ligado a mim nos precipícios de Scafell por uma corda — se eu ao menos tivesse olhos para vê-lo!

Minha vida tem sido cheia de tais incidentes; se alguém gritar “coincidência”, que ele também admita que seu longo braço foi puxado, de forma bem eficaz, por minha conjuração!

Agora, aos fatos mais divertidos de minha carreira. A primeira coisa que aprendi foi a viajar no corpo astral. Isso parecer ter sido um dom natural; e meia dúzia de experimentos eu já era perito em “Plano Astral”. Podia ir aonde quisesse, vejo o que quisesse, escutar o que quisesse. Àquela época, eu não sabia dos planos mais elevados, dos quais a iniciação é a única chave.

O próximo passo depois de sair no Plano Astral é fazer com que ele retribua a visita; em outras palavras, a evocação de espíritos para que apareçam materialmente. Só comecei a fazer isso depois que encontrei Allan Bennett. A ocasião era uma iniciação na ordem da qual nós éramos membros; mas ele não tinha estado presente desde que me juntei a ela. Depois da cerimônia, fui conduzido, tremendo, até o grande homem, e, é claro, não pude dizer uma palavra. Porém, na antessala, uma hora antes, ele veio diretamente a mim e disse: “Então, irmãozinho, você tem se metido com Goetia”. Eu me declarei indigno de, até mesmo, pronunciar uma palavra! Mas ele tinha me visto como um novato promissor, e quando, usando minha oportunidade, me fiz como que se fosse seu espírito familiar, ele consentiu em me aceitar como pupilo. Em pouco tempo estávamos trabalhando juntos dia e noite, e que tempos difíceis tivemos!

Em meus aposentos em Chancery Lane, montei um templo. As paredes cobertas por seis grandes espelhos, de modo a devolver a força das invocações. Havia círculo e triângulo no chão, e um altar no meio do círculo.

Construí todas as minhas armas mágicas com minhas próprias mãos, exceto a varinha, que não pode ser feita, mas deve ser transmitida. Esta é um galho de amêndoa cortado com um único golpe da Faca Mágicka ao nascer do sol na manhã de Páscoa, e me foi transmitida por Frater Volo Noscere.

O efeito de tudo isso foi bem sufocante.

Fui atacado por um mago negro nos primeiros dias — a história é contada detalhadamente e com perfeita precisão de detalhes em meu conto, “Na bifurcação das estradas”; é muito longo para citar aqui. Direi apenas que uma mulher foi enviada pela Loja Negra para obter uma gota do meu sangue; que ela conseguiu; que durante as dez noites seguintes fui atacado por um súcubo, o qual, toda vez, matei com minhas mãos; que, com a ajuda de meu mestre, eu a coloquei fora do páreo, enviando uma praga de gatos para a casa dela; e que, quando ela veio tentar mais sangue, eu a puni, mandando-a para meu templo negro – um pequeno armário em que eu guardava um esqueleto, o qual alimentava com ratos e pássaros com a ideia de criar uma serva demoníaca material e viva –, onde ela foi dilacerada pelas coisas malignas que ela tinha invocado. Ela foi para o diabo, e seu mestre fugiu do país.

Nada mal, tudo isso, para o primeiro ano de magick?

Uma de nossas grandes façanhas foi salvar a vida de meu mestre. Absolutamente altruísta, ele nunca se mexia para se ajudar e era um inválido permanente por causa da asma espasmódica, com complicações. Frater V. N. e eu decidimos, em nome da Ordem por causa d’Ela, salvá-lo. Evocamos o espírito Buer à aparência visível. Isso não foi totalmente bem-sucedido; naquela época queríamos que as coisas acontecessem como nos livros – pois éramos jovens. Mas conseguimos a perna direita, o pé e tornozelo da esquerda, tão sólidos quanto necessário; e a cabeça, com capacete, era vagamente visível através da fumaça do incenso. Naquela época, éramos piedosos demais para usar sangue; se não, poderíamos ter feito melhor. No entanto, o objetivo do trabalho foi bem-sucedido. O Mestre se recuperou e está vivo até hoje – quinze anos depois.

Curioso como o bem é chato, e como o mal é divertido! Bem viva na memória é uma noite em que Frater V. N. e eu estávamos sozinhos trabalhando juntos em talismãs e outros itens necessários para uma operação ou outra – esqueci-me completamente do que se tratava. Saímos para jantar e, antes de sair do quarto, notei que a porta do templo estava ligeiramente aberta. Estava trancada por uma chave Yale, a qual havia apenas uma, que nunca havia saído de minha posse. Naquele tempo, meu principal temor era que alguém se metesse em meus assuntos mágicos. (Hoje em dia eu os deixo entrar, sem me preocupar; se eles estourarem a cabeça, é problema deles, não meu!) Então, eu cuidadosamente bati a porta e a testei, e saímos para jantar. Na escada havia um gato preto – não um gato de verdade também. Voltamos de uma refeição perfeitamente moderada, encontramos a porta externa segura como havíamos deixado, entramos, encontramos a porta do templo escancarada, embora sem sinal de violência, e o altar derrubado; a mobília jogada em todas as direções. – E aí começou a diversão!

Dando voltas e mais voltas na grande biblioteca, os demônios percorriam a noite toda, uma procissão sem fim; contamos 316 deles, descrevemos, nomeamos e anotamos em um livro. Foi a experiência mais incrível e medonha que eu já tive.

Estranho como eles adoram abrir portas! No Leste do meu grande templo na Escócia havia um santuário secreto, no qual portas dobráveis abriam. Estas eu podia trancar, com cadeado, selar, pregar, prender (em suma) por todos os meios; no entanto, toda vez que eu saía do quarto, esperava encontrá-las abertas. Foram muitas vezes que eu fiz isso. Fazia todo tipo de armadilha para os espíritos; era inútil. Enquanto eu estivesse na sala, nada acontecia; quando eu fechava as portas externas atrás de mim, as internas se abriam silenciosamente. Eu finalmente tive que realizar uma cerimônia especial para ficar livrar do aborrecimento. Os demônios que jogaram este jogo foram os 49 servidores de Belzebu; quando domesticados, tornaram-se extremamente úteis.

Há um manuscrito na Biblioteca do Arsenal de Paris que foi traduzido e publicado sob o título “O Livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago”. É o melhor e o mais perigoso livro já escrito. O tradutor, que morava do outro lado de Paris, teve que desistir de ir de bicicleta para a biblioteca, tantos foram seus acidentes. Mesmo a pé, ele estava em constante perigo de vida. E ele usou mal o livro; caiu de um grau respeitável de realização como magista para ser um vadio, um alcóolatra, um parasita e um chantagista; no final, ele morreu louco.

O livro é endereçado por um “Abraão, o Judeu” para seu segundo filho, Lameque, concedendo-lhe esta magick. O autor registra suas pesquisas, suas muitas viagens e decepções. Finalmente ele se encontra com um Abramelin no Egito, vai com ele para um oásis, e é ali iniciado pela outorga desta Magick Sagrada. Ele retorna, cumpre a tarefa e emprega seus poderes para a glória de Deus e o benefício de seu próximo, “forçando até os bispos a restituírem propriedades roubadas”, vencendo batalhas pelos Eleitores mediante a criação oportuna de “cavalaria artificial”, curando os doentes no atacado e geralmente agindo como um filantropo.

A essência da operação é a seguinte: Consiga uma casa num lugar sossegado, tenha um terraço que se abre para o Norte de seu Oratório, tenha robes, uma coroa, uma varinha e outros poucos aparatos não tão persas, e, então, comece o trabalho árduo. Ore cada dia mais e mais para obter o Conhecimento e Conversação do seu Sagrado Anjo Guardião. Depois de dois meses, corte todas as distrações e ore mais fervorosamente. Depois de dois meses disso, ore ainda mais.

Em seguida, vem o clímax. O Anjo aparece e instrui. Daí, e não antes disso, convoque os Quatro Grandes Príncipes do Mal do Mundo e obrigue-os a jurar obediência sobre a varinha, e ordene-os a operar certos talismãs. No dia seguinte chame os Oito Sub-Príncipes, e no terceiro dia seus servidores.

O livro é escrito em um estilo sério e simples. É de longe o documento mágico medieval mais convincente que existe. A personalidade do próprio Abraão serve de prova.

E qualquer pessoa que duvide de magick, tem apenas que obter uma cópia do livro e se recusar a levá-lo a sério. Ele obterá provas suficientes em certo tempo; certo lugar, terror na espinha.

Mas se você levar isso a sério e com reverência, se você aspirar com toda a sua vontade a essa realização, você está seguro. Os golpes do demônio cairão apenas sobre aqueles à sua volta.

No entanto, todos os obstáculos serão colocados em seu caminho. Por exemplo, eu tinha o controle do que era, para todos os efeitos práticos, dinheiro ilimitado. Eu não me importei com o que gastei neste trabalho. Levei onze meses para encontrar uma casa.

Ao copiar os talismãs em pergaminho, usei a sala de desjejum daquela casa, uma sala escolhida por ser clara e alegre e pegar o sol da manhã. O clima estava bom. No entanto, tive que fazer minha cópia com luz artificial. O sol não conseguia penetrar na escuridão que se acumulava ao redor daqueles talismãs.

Um dia, voltei da caça na colina e encontrei um padre católico na minha sala de estar. Era para pedir minha permissão para fazer o que pudesse pelo meu jardineiro, um abstêmio total de vinte anos que tinha ficado bêbado e delirante.

Minha governanta desapareceu, sem conseguir de suportar o lugar mal-assombrado.

Um adepto com quem eu tinha combinado que ficasse, com o intuito de ser um elo entre mim e o mundo exterior, também fugiu aterrorizado sem uma palavra de advertência.

Um dos operários empregados nos arredores enlouqueceu e tentou me matar. Outros novamente se tornaram dipsomaníacos. Todos os meus cães morreram. Meu cozinheiro quase morreu e só foi salvo por um talismã.

Esses são apenas alguns dos muitos incidentes que evitaram a tragédia da monotonia da minha vida diária. E tudo isso, veja bem, com a mera ameaça de realizar a Operação!

Tempo me faltaria para contar todos os eventos desagradáveis ​​que aconteceram com pessoas que nem chegaram a esse ponto. Só ter aquele livro na estante é um risco mais sério do que secar dinamite no fogão!

Os talismãs funcionam automaticamente. Eles são tão fáceis de explodir quanto iodeto de nitrogênio, e são muito mais perigosos. Meu amigo e editor, o capitão J. F. C. Fuller, certa vez marcou uma página do livro com a conta do açougueiro. Alguns dias depois, o açougueiro estava trabalhando; sua faca escorregou, perfurou sua coxa e o matou. Como Fuller observou na época: “Pode ser apenas uma coincidência, mas foi muito ruim para o açougueiro!”.

“Na minha iniciação, fui ensinado a ser cauteloso” é um lembrete em um sistema; em outro, o neófito é informado: “O medo é o fracasso e o precursor do fracasso. Sê, portanto, sem medo, pois no coração do covarde a virtude não habita”.

Mantenha estes dois preceitos constantemente em sua mente, e você deve ir longe e rápido.

Agora, a terceira classe de operações mágicas! Não se trata mais do cérebro do próprio magista, como no caso das visões e evocações; atua diretamente sobre terceiros. Refiro-me às artes da “fascinação” em seu sentido próprio – a palavra vem do latim “fascinum”. O amor é cego: e a fascinação inclui todas as artes que têm esse efeito. Você se transforma e, assim, compele o objeto desejado para seus braços, tal como como Zeus se transformou em cisne ou touro; Lucius, em asno; os Magos egípcios, em falcão, andorinha ou íbis; os Sírios, em pomba. Ou você se torna invisível – no sentido prático, você permanece invisível para aqueles que deseja que não o vejam, e se você está com vontade de brincar e com fome, você se torna um morcego ou um lobo e vai para o campo, em busca de sangue. Essas histórias não são lendas: elas ocultam verdadeiros poderes. Apenas uma vez tentei vampirismo, para fins de exame, e, em cerca de uma hora, sangrei minha vítima até ficar branca. Passei com honras e menção especial.

Obviamente, a razão pela qual não se faz essas coisas é que no transe Atmadarshana, no limiar da obra-prima, perde-se o Ego para sempre. Daí em diante o homem existe apenas como veículo para um Mestre Impessoal; ele vive sua própria vida e cumpre seu próprio dever, mas o Mestre nele não se importa com o que acontece com ele.

Outro dia uma jovem veio me consultar. Eu dei a ela cerca de mil dólares em informações. Ela me perguntou o que eu ia cobrar. Eu disse “Nada; considere-me como uma conta bancária na qual você sempre pode sacar.” Ela disse: “Mas você deve comer!” Respondi: “Não vejo necessidade”.

Sempre me perguntam por que, se tenho todos esses poderes, não faço pedras se tornarem pães, e me jogo do Edifício Woolworth para provar a verdade do Salmo 91 e obter todos os reinos da terra em pequeno custo para o autorrespeito.

Por que Cristo recusou na Tentação do Monte?

É a mesma história: vim fazer a Vontade d’Aquele que me enviou. E se eu tiver que morrer na cruz, isso é melhor do que viver nela!

Uma forma de fascinação é o poder sobre os animais. Convença seu animal de que você não é aquela fera perigosa, um homem, e sua tarefa está terminada.

Uma forma de fascinação é o poder sobre os animais. Convença seu animal de que você não é aquela perigosa fera selvagem, um homem, e sua tarefa está terminada.

Lembre-se de São Francisco pregando para pássaros e peixes. Já vi Allan Bennett fazer o mesmo com a krait, a mais mortal das cobras indianas. Nós a encontramos numa estrada. Antes que eu pudesse estourar sua cabeça com meu revólver (o primeiro dever do homem), Allan interpôs com seu guarda-chuva. Mas não para matá-la. Ele deliberadamente a incitou. Atingiu o guarda-chuva. “Isso”, disse Allan, “é raiva”, e passou a provar ao réptil (creio atento) os terríveis resultados sobre o caráter em se permitir ceder à raiva! Ele também alertou sobre o perigo de frequentar a via pública e, para concluir, removeu a fera suavemente para a grama alta. Como uma krait pode atacar em quinquagésima parte de um segundo e matar (se acertar) em cerca de dez minutos, e como a única proteção de Allan, além de sua divindade, era um par de calças finas de algodão branco, acho que isso pode contar como um dos atos mais corajosos já feitos. Eu me considero um pouco herói apenas por ter ficado parado!

No entanto, eu mesmo aprendi alguns truques desse tipo; por exemplo – uma coisa muito útil nos trópicos –, como evitar que os mosquitos piquem alguém. Isso é feito pensando gentilmente neles. Deve ser um sentimento genuíno e espontâneo de fraternidade, ou não funcionará. Você também pode pegar qualquer coisa quente, fixando a atenção no fato de que “não dói”. Mas isso novamente é uma questão de habilidade. Se você pensar muito sobre isso, você não pode mais fazê-lo. Acredito que D. D. Home tinha esse poder.

Novamente, você pode evitar que coisas o piquem, mediante certos exercícios respiratórios. Prenda a respiração de tal forma que o corpo fique espasmódico rígido e os insetos não possam perfurar a pele. Perto do meu bangalô em Kandy havia uma cachoeira com piscina. Allan Bennett costumava alimentar as sanguessugas todas as manhãs. A qualquer momento ele poderia parar a sanguessuga, embora já presa ao pulso, por esse truque de respiração. Colocávamos juntos as mãos na água; a dele saía lisa, e a minha, com uma dúzia de sanguessugas. Nesses momentos, eu zombava que um coiote não comeria um mexicano morto, mas isso não o incomodava.

Com invisibilidade eu era bem exitoso. Fiz uma grande operação de invisibilidade na Cidade do México e pratiquei diariamente, durante meses, em frente a um espelho. Finalmente fiquei bom nisso; assim, várias vezes salvei minha vida e, até mesmo, coisas que eu valorizava.

Outra conquista importante é a de viajar em “corpo astral”. Também pratiquei muito isso. Consegui, em tempo, dar a conhecer a minha presença a uma pessoa à distância, por uma espécie de instinto. Logo eu consegui que pudesse ser visto e ouvido. Ainda não consegui impressionar objetos inanimados, pois abandonei essa classe de trabalho por não ser essencial à Grande Obra. Por exemplo, quando eu estava em Honolulu, tive uma longa conversa com uma garota em Hong Kong. Descrevi a ela seu bairro, sua casa e quarto, com precisão, em grandes detalhes. Ela também me viu e escreveu minhas observações corretamente. Mas não consegui derrubar um vaso da lareira, como queria.

O ponto é este. “Entrar no corpo astral” realmente significa permitir que a consciência se fixe em um veículo de matéria sutil e, separando-a do corpo grosseiro, mova-se. Mas isso tem suas desvantagens. Não se está mais no plano material, mas no plano astral, e não se deve esperar ver coisas materiais. Este é o erro cometido pelos “clarividentes físicos” e a causa de seus constantes erros. Não; para a clarividência física, ou para a ação à distância, em algum lugar do astral, deve-se pegar material pronto como base para uma espécie de “encarnação”. Assim, a moça de quem falo queimou incenso especialmente para me dar um corpo visível, tangível e audível. Mas o incenso não é forte o suficiente para tornar um corpo mecanicamente sólido. Torna-se sensível aos olhos e ouvidos de uma pessoa viva, como uma nuvem, mas não forte o suficiente para resistir à pressão.

No entanto, oferecendo sangue, pode-se construir um corpo bom o suficiente para, digamos, namoro e casamento. Já fiz isso com bastante frequência; não é nada difícil quando as condições são adequadas. Mas é perigoso: se alguma coisa acontece com o sangue quando você o estiver usando, haveria uma bagunça desagradável, e se o sangue não for cuidadosamente destruído depois que você terminasse com ele, ele poderia ser apreendido por algum elemental vampírico ou demônio. Acho que ninguém abaixo do grau de Magister Templi deve usar sangue, a menos que seja também um iniciado do IX° da O.T.O.

Essas foram apenas algumas das mais variadas atividades. Posso observar que os métodos até agora empregados não são totalmente satisfatórios. Há muito acidente, por um lado. Bem recentemente, um discípulo meu, pintando aquele grande quadrado de letras que sintetiza as forças elementares da água, teve um tanque estourado e inundou sua casa. Em outra ocasião, na sede, ensinando viagem astral através da Tábua de Fogo, tivemos cinco incêndios em três dias, e o discípulo foi para casa na terceira noite, e a encontrou casa em chamas, tendo começado um incêndio no carvão do porão. Um fogo “natural” não pode começar no depósito de carvão (porão), especialmente, como neste caso, no inverno.

Por outro lado, esses métodos são muito tediosos. Uma evocação adequada de um espírito à aparência visível significa semanas de trabalho preparatório. Mais uma vez, nem sempre são tão bem-sucedidos quanto se gostaria. Em suma, senti a necessidade de ir além na iniciação e da comunicação de um método tão seguro, são e fácil quanto viajar de trem.

Não vou detalhar aqui os passos pelos quais isso me ocorreu; é suficiente dizer que a A∴A∴, a organização mais poderosa do planeta, me escolheu há onze anos para fazer um certo trabalho e me recompensou sem espírito mesquinho. Então, quase seis anos atrás, o Frater Superior da O.T.O. veio a mim e me nomeou Grande Mestre da Ordem para todos os países de língua inglesa da Terra, e Delegado Especial para a América. Com isso, Ele conferiu o segredo da Alta Magia que eu queria. Fácil de operar como uma bicicleta e seguro de resultados como uma garrafa de conhaque, bastava um pouco de estudo inteligente e prática para suplantar todos os métodos antigos, que se tornaram, por assim dizer, acessórios à coisa principal.

É sobre isso que ainda estou trabalhando, pois ainda não o dominei completamente. Há duas partes para cada operação mágica. Os antigos alquimistas expressaram isso em sua fórmula “Solve et Coagula”. Primeiro, deve-se sutilizar a matéria para poder moldá-la e depois fixá-la novamente na matéria grosseira para reter a forma desejada.

A primeira parte disso é rápida e seguramente realizada pelo método sobre o qual escrevo; a segunda parte não é igualmente fácil. O resultado é que se obtém sempre uma garantia do objetivo desejado, uma sombra da recompensa, por assim dizer. Mas nem sempre isso se concretiza. Por exemplo, alguém realiza uma operação “para ter $ 20.000”. Alguns dias depois, surge de repente a perspectiva de obter essa quantia exata, e depois desaparece lentamente. Exatamente o que fazer em tal caso é um problema para o qual ainda não encontrei a resposta perfeita. Felizmente, raramente acontece que esse problema sobrevenha. Em cinco de seis vezes o evento desejado acontece naturalmente sem mais perturbações. Mas confesso que gostaria de fazer com que essa sexta vez fosse segura, e creio que, dentro de alguns meses, o terei feito. As coisas já melhoraram setenta por cento desde que fui iniciado no Grande Segredo.

Não é de admirar, então, que a Magia tenha renascido. Quando comecei o trabalho da A∴A∴, tive mais de cem alunos em menos de seis meses. O sistema da A∴A∴ é singular em muitos aspectos; em nada mais do que nisso, ele é realmente secreto. Nenhum homem, exceto seu Chefe, Seu Cancellarius e Seu Praemonstrator, conhece mais do que dois membros: aquele que o iniciou e aquele que vem a ele para iniciação. Dessa forma, o trabalho se espalhou pelo mundo sem rebuliço ou problemas. Só uma vez ou outra algum trabalho aberto é visível – quando Ísis levanta a saia o suficiente para mostrar a meia!

Por exemplo, ouve-se falar de cerimônias públicas nas linhas da A∴A∴ na África do Sul, na África Ocidental, em Vancouver, em Sydney, em Paris e Londres e (talvez) Nova York. Elas aparecem esporadicamente; sua simultaneidade é realmente a marca do que se passa na mente dos Mestres da A∴A∴.

O sucesso da O.T.O. é ainda mais impressionante para os não iniciados, porque seus resultados são mais aparentes.

Parte da política desta ordem é comprar imóveis em todos os lugares, construir e mobiliar templos, alojamentos e retiros. Mal passa um mês e já ouço falar de alguma nova filial financeiramente sólida, com sede própria, alguma bela propriedade no campo, uma bela casa, amplos terrenos, tudo o que é necessário tanto para as iniciações quanto para a prática dessa vida, e dessas obras, que produzem frutos a partir da semente dessas iniciações. E toda semana me trazem muitas novidades do que está sendo feito. Dificilmente há um país no mundo que não tenha dezenas de membros trabalhando arduamente na magick, e na maior parte progredindo a um ritmo que quase me deixa com inveja, embora para minha geração eu tenha feito um avanço que foi um milagre de rapidez e incitado a inveja de todos os trapaceiros. Mas o trabalho feito pelos meus Mestres e (acho que posso dizer verdadeiramente) também por mim simplificou o trabalho incrivelmente para todos. No Equinócio, 777, Konx Om Pax e em alguns documentos secretos, todo o mistério foi explicado; pela primeira vez na história de Magick, uma Enciclopédia-modelo foi publicada. Não é mais necessário estudar cinquenta línguas estranhas e percorrer dez mil volumes obscuros e ambíguos. Com três meses de estudo e um ano de prática, qualquer homem de inteligência moderada e força de vontade suficiente está armado, de uma vez por todas, para a batalha. Apenas na O.T.O. algum conhecimento é reservado, e isso porque o grande segredo é tão fácil de aprender e tão simples de operar que seria uma loucura confiá-lo a qualquer pessoa não testada por anos de fidelidade.

Estas, então, são as principais causas do Renascimento da Magia. Não é possível publicar os números, nem seria desejável. Mas posso assegurar ao público que basta entrar no caminho de magick para encontrar, por todos os lados e nos bairros mais inesperados, homens e mulheres cuja vida inteira é secretamente dedicada à obtenção da Arte Real e Sagrada.

Magick já é, outra vez, uma Potência Mundial; a digital do Polegar do Gigante já é o espanto dos incrédulos. Dentro de cinco anos ficará bastante claro para todos os homens Quem provocou a Guerra Mundial e por quê.

Veremos a ciência triunfante, a filosofia revolucionada, a arte renovada, o mercantilismo derrotado; e montados no cavalo do Sol veremos o Senhor vir como um conquistador em Seu Reino.

O Renascimento da Magia é a Mãe do Novo Aeon.

E quem é o Pai?

“Hei! as rodas de sua carruagem ao longe incendeia

Através da Estrela Argentina o olho do falcão pestaneia!

Nas alturas seu estandarte será cravado,

Livre, igual, pagão, dominante, apaixonado;

Mística, autocontrolada, bravia,

A Rosa vermelha é na Cruz d’Ouro luzidia!

Você deseja encontrá-Lo?

Nisto está a sabedoria; quem tem entendimento conte o número da Besta; pois é o número de um homem; e seu número é seiscentos e sessenta e seis.

Autoria: Aleister Crowley

Tradução: Frater אל-אמא-יה

Revisão: Frater Tahuti

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